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25/05/2024 às 08h00min - Atualizada em 25/05/2024 às 08h00min

Estudos sobre o Amor – Parte II

EDMAR PAZ JUNIOR
Foto: Reprodução/Internet
Sei que talvez possa parecer um pouco desconectado do texto anterior – já que aqui deveria ser uma pretensa continuação. Contudo, não vou deixar de abordar ainda o tema do Amor, pois quero apenas jogar luz para um ponto que talvez o próprio Ortega não tenha dado tanta importância: se o desejo de perfeição do outro é o Amor, a própria perfeição do Amor é a transcendência: veja, não é apenas um desejo de “não fim” do amado, mas muito mais um “além fim”.

O movimento desse sentimento que o filósofo apresenta, trata quase que absolutamente do engendramento que acontece em nossa alma, quando começamos a amar. Acredito e concordo com ele, quando diz, por exemplo, que a natureza do homem é a de ruptura, de empreendimento, ao passo que a mulher possui em si o poder da ordem, da “conservação”. Esta é, como diz Ortega, um agir como o clima, que não arroga para si nenhuma (ou quase nenhuma) atuação espalhafatosa; age sobre a natureza de forma silenciosa, mas evidentemente essencial; um agir atmosférico, que pode ser ruim ou extremamente benéfico para uma planta, por exemplo.
Certo, mas e depois daquele dito “enamoramento”? A maioria das pessoas para no “felizes para sempre” e esquecem que há um “lutando para ser felizes para sempre”. Essa é, inclusive, uma das principais causas de frustração dos amantes, exatamente porque não se atentam que há essa “pós paixão”, há um perseverar para continuar aquele amor inicial. Esse movimento de “conquistamento” e passividade dentro do jogo romântico – em que um conquista e o outro se deixa conquistar –, tão maravilhosamente descrito pelo espanhol, não consegue, em certa medida, traduzir a Beleza que também há na continuidade.

Aqui vou abrir espaço para uma ideia um pouco menos “filosófica”, de uma história que quase todos conhecem, porém não lhe dão a devida atenção, ou ainda, não conseguem perceber que contém um ensinamento bem mais profundo do que apenas o bom humor que exala: a trilogia do Shrek. 

Note que, seguindo essa ideia de que há um depois, na despretensiosa aventura do monstro há o grande desafio que permeia a vida de todos os casais: o convívio com o amado. Corção já dizia em sua primeira obra, A Descoberta do Outro, como essa percepção é fundamental em nossas vidas, para observar que as pessoas que convivem conosco são almas, são seres que devem ser amados, não apenas pelo que fazem, mas pela sua própria potencialidade de existir. É um milagre estarmos aqui – cada respiração comprova isso –, mas muitas vezes esquecemos desse “pequeno” detalhe, justamente porque se tornou comum demais pra nós. 

Na convivência, no cotidiano com aquela que se escolheu viver o “felizes para sempre”, há uma vida comum com problemas de ideias por vezes incompatíveis, com contas a pagar, com choro de criança, e, inclusive, por alguns momentos com a princesa se tornando uma ogra. Contudo, mesmo com todas as dificuldades inerentes à essa fase e etapa de nossas vidas, há sim uma Beleza nessas imperfeições. Veja, se fôssemos perfeitos e bons o tempo todo, qual seria a margem para nosso crescimento? Por que Deus nos faria perfeitamente prontos e acabados? Eis o ponto: nossa perfeição consiste justamente em ser imperfeito e isso faz com que nos tornemos uma obra completa.

A ideia de que a doutrina da Igreja limita a percepção das pessoas é completamente errônea, porque, a bem da verdade, como escreveram tantos Santos e filósofos, o homem, chamado à perfeição (essa que é a imperfeição que sempre possibilita a perfeição seguinte), somente consegue ascender e tentar alcançar seu fim, dentro dos ensinamentos universais da Igreja: o desvelamento de um caminho, um verdadeiro talhamento da nossa inteligência, que faz com que consigamos cada vez mais “ver” a realidade. 

Diante de todos esses entraves nos relacionamentos, há esse lugar que nos ensina sobre a importância do sacrifício pelo outro, bem mais que um “o que importa é o amor” (essa frase que na verdade apenas esconde um maligno egoísmo), que mostra que a “entrega” real pelo bem daqueles que amamos é tão mais importante que nosso próprio prazer. Se entendermos que podemos ser o que quisermos, e também fazê-lo, mas que em algum momento temos de abdicar, em certa medida, dessa necessidade particular em prol do outro, certamente olharemos para as relações por uma outra perspectiva: a eternização do amado não cessa com a conquista, mas principalmente se estende por toda essa jornada que chamamos de vida.

E essa é, também, uma das questões que a igreja ensina, em apenas mais um de seus belos paradoxos: é um se amar na medida de seu crescimento ao mesmo tempo que ama aquele à sua volta; é um não se limitar em suas possibilidades, mas se limitar em seus anseios desconexos com o Bem: “Ame o próximo como a ti mesmo”.

São Francisco de Assis diz, na sua obra Filoteia, que nossa vitória consiste em não desistir de lutar: “Por isso não nos devemos perturbar à vista de nossas imperfeições, porque a luta contra elas não pode nem deve acabar antes de nossa morte. A nossa perfeição consiste em combatê-las”. Se essa é a Beleza da nossa vida, que tem a todo momento o Cristianismo como pano de fundo, por que não seria assim também no cotidiano dos relacionamentos? As imperfeições do dia a dia, que são os pequenos propulsores que nos levam adiante, são também integrantes desse imenso quadro que constitui nossa perfeição.

Estudos Sobre o Amor, José Ortega y Gasset.

*Este conteúdo é de responsabilidade do autor e não representa, necessariamente, a opinião do Diário de Uberlândia.
   
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