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27/04/2024 às 08h00min - Atualizada em 27/04/2024 às 08h00min

Médico de Homens e de Almas

EDMAR PAZ JUNIOR
Foto: Reprodução/Internet
Há algumas histórias contadas que vão além da ficção. Explico: evidente que existem vários tipos de histórias, como documentários, biografias, casos reais, e também os romances de ficção. Gostaria de tentar dividir a ideia dessa última em duas partes: a ficção completamente abstrata e aquela baseada na realidade. Por mais que possamos tentar encontrar algumas semelhanças, uma história como Star Wars, por exemplo, é quase que completamente fora da realidade (digo quase, uma vez que, apenas o fato de não conhecermos algo não significa que ele não exista). De outro lado, uma “novela mexicana”, mesmo que com sua grande dose de ficção, possui uma probabilidade muito maior de acontecer ou retratar algo que de fato aconteceu: é uma ficção, mas baseada em situações reais. 

A obra que quero comentar hoje, faz parte dessa segunda linha de ficção. Taylor Caldwell foi uma escritora britânica que morou desde a infância nos EUA, onde faleceu em 1985. Como a maior parte do livro é baseado em fatos históricos da vida do médico grego, São Lucas – mas antes conhecido como Lucano ou apenas Lucas –, surge a sensação de que, de fato, estamos diante de uma história de não ficção. Desde jovem, e durante toda a sua vida, o então Lucano já realizava alguns prodigiosos feitos, que se analisarmos, fazem parte da rotina da maioria dos Santos da Igreja. A autora levou mais de quarenta anos para completar esta obra que é quase como a história de todo ser humano: uma jornada através do “desespero e das trevas da vida, do sofrimento e da angústia, da dúvida e do cinismo, da rebelião e da esperança até a compreensão de Deus.”

Conta, por exemplo, que a sua simples presença provocava sensação de paz nos que estavam presentes e até acalmava os mais exaltados. Numa determinada passagem, o então médico da família do soldado romano, cujos pais de São Lucas eram subordinados, não conseguia curar a filha de seu patrão e eis que Lucas, ainda muito jovenzinho, mas já sempre reflexivo, entrega para o soldado numa noite em que se encontraram, um punhado de ervas para colocar numa determinada área da barriga da criança, fazendo com que esta fosse salva. Depois de curada, o médico foi ter com Lucas e perguntar onde conseguiu tal “remédio”; o pequeno apenas respondeu que “uma pessoa” havia indicado onde estavam, antes. 

Acho belíssima essa sutileza de informações, pois deixam transparecer os aspectos misteriosos, mas recheados de “lógica” dentro da religião Cristã: não é nada absurdo pensar que estes homens, por estarem tão próximos de Deus, possuíam um diálogo tão aberto com seus anjos. Além disso, as histórias dos santos, contadas por um prisma mais íntimo, mais humano, faz com que realmente olhemos para eles como pessoas “normais”, o que de fato são. Como diz São Josemaria, “os santos não foram seres disformes, casos de estudo para um médico modernista. Foram e são normais; de carne, como a tua. – E venceram.”

Uma das histórias que mais me marcaram na obra foi justamente a do escravo que São Lucas havia comprado e libertado, mas que acabou se tornando seu amigo. O escravo, que era rei de sua tribo na África, mas mudo por conta de uma maldição lançada sobre seu povo, mesmo libertado por Lucano não quis voltar para sua terra, pois dizia que São Lucas o faria encontrar o Salvador, e que quebraria essa antiga maldição que afligia seu país há séculos. 

Em um determinado momento da história, Cristo, que já vivia sua vida pública e peregrinava por uma das cidades próximas à Jerusalém, estava próximo ao porto em que o barco que estavam aportou, e enquanto São Lucas dormia, pois estava doente, o ex escravo e amigo descobriu que Jesus estava nas redondezas e “fugiu”, deixando-lhe apenas uma carta, o agradecendo e dizendo que encontraria o Messias. Alguns anos mais tarde, Lucano recebe uma carta, com o amigo contando exatamente o que aconteceu naquele dia em que havia ido embora. De fato, havia encontrado Jesus, mas de um modo que acredito ser maravilhosamente real e possível. Este é o ponto que quero trazer, acerca dessas “ficções reais”, que nos fazem duvidar que aquilo que está escrito não seja verdadeiro. 

A carta dizia que, cercado pela multidão, Jesus praticamente não conseguia caminhar, tamanho o alvoroço que se instalava à sua volta. O escravo, tentando se aproximar, viu que seria impossível, e mesmo fazendo o que podia, não conseguia furar a multidão. Então narra: “Deslizei atrás Dele, pensando comigo mesmo: ‘se Ele não me devolver a minha voz, não terei pena, pois eu O vi, e que mais necessita um homem?’ Queria, entretanto, aproximar-me mais Dele; queria ver seus olhos brilharem sobre mim, embora eu seja um homem de pele escura. Seguramente, pensei, Ele não me desprezará, Ele, que me fez; seguramente Ele anulará a maldição de Noé sobre meu povo. Ele estava conversando com os Seus seguidores, jovens como Ele próprio; então, subitamente, parou, olhou por sobre o ombro, e Seus olhos iluminaram-se sobre mim. Sorriu, e pareceu esperar. Então, de repente, senti algo mover-se em minha garganta, tremer em minha língua e imediatamente minha voz estava em meus lábios, e eu exclamei: ‘abençoado sou, que vi o senhor nosso Deus!’”. 

Proponho um exercício de atenção: note, que na imensa maioria das histórias contadas sobre Cristo, sejam nos livros ou mesmo nas telas dos cinemas, há esse “trabalho” silencioso de Jesus: Ele quase sempre está conversando com uma pessoa em particular, de forma que não conseguimos ouvir sua voz, mas quando o personagem principal aparece (nós), Jesus sempre o nota de longe, como se o tempo todo o estivesse esperando.

Além dessas “pequenas” histórias adjacentes à principal, que por si já são belas, a grande “tese” do livro é como São Lucas se “irou” contra Deus por ter levado sua amiga ainda tão jovem, e jurou desde cedo sempre fazer tudo o que estivesse ao seu alcance para evitar a morte das pessoas, se tornando assim um grande médico. O que ele não sabia é que esse grande chamado era, não somente para salvar as pessoas das doenças corporais, mas principalmente das enfermidades espirituais. Ao alimentar essa revolta contra o Criador, por ter-lhe “tirado” uma pessoa tão amada, quanto mais desejava se afastar de Deus, mais caminhava, a passos largos, para Seu encontro, para se tornar posteriormente uma das pessoas mais importantes do Cristianismo.

O Médico de Homens e de Almas, Taylor Caldwell.


*Este conteúdo é de responsabilidade do autor e não representa, necessariamente, a opinião do Diário de Uberlândia.
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