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04/04/2024 às 08h00min - Atualizada em 04/04/2024 às 08h00min

Contar histórias

IVONE ASSIS
A vida é uma permanente contação de histórias. Todos os dias, abrimos o acordar com uma história. Há dias em que as histórias são melhores que outros, mas, no fundo, todas elas têm sua razão de ser. Algumas são amores inimagináveis; outras amores impossíveis. Há guerra e há paz. Ora é a fome; ora a fartura. É gente que chega e gente que vai... Em meio a tudo isso está a cultura.

E quem pensa que definir Cultura é algo simples está muito enganado. É certo que a maioria se pauta no trivial, mas para quem quer sair da rasura, é preciso sapecar neurônios. Afinal, a cultura acende múltiplos interesses e é estudada nas mais diversas áreas. E é dispensável dizer que todas têm suas particularidades.

Seu veio investigativo vai além do cotidiano. E não podemos nos esquecer de que a semântica aplica a palavra “cultura” como “tradição”, “mentalidade”, “ideologia” e outros. E como não mencionar o exposto no mundo dos negócios e político? Culturas: empresarial, política, agrícola e assim segue.

Aliás, a Sociologia classifica a cultura em, curiosamente, sete estilos, a saber, cultura popular, erudita, organizacional, de massa, imaterial, material e, por fim, cultura corporal. Cada uma em seu valor.

Estudar Mikhail Bakhtin (1895-1975) é essencial para se aprender palavra e cultura. Para García Canclini (1983, p.157), “As culturas populares constituem um processo de apropriação desigual dos bens materiais e simbólicos de uma nação” para implantar “sentidos sobre a realidade”, nas práticas sociais. Esses setores vão aplicando compreensão e transformação, realismo e simbolismo, segundo cada especificidade de trabalho e vida, propondo formas de se pensar o popular, nesse recorte chamado sociedade.

Para Stuart Hall, contemporâneo de Canclini: “Creio que há uma luta contínua e necessariamente irregular e desigual, por parte da cultura dominante, no sentido de desorganizar e reorganizar [...] a cultura popular; [...] Há pontos de resistência e momentos de superação” (Hall 2003, p. 255). Para Hall, a valia não está nos objetos culturais, e sim, na luta de classes cultural ou no seu entorno.

Mas, a intensão aqui não é anuviar a conversa com teorias, e sim, aflorar as emoções atiçando a curiosidade pelas muitas culturas, cujo resultado nos remete às contações de histórias. É como se fosse um espelho.

Guimarães Rosa, em seu conto “Espelho” (p. 76-83), do livro “Primeiras Estórias”, escreve: “Se quer seguir-me, narro-lhe; não uma aventura, mas experiência, a que me induziram, alternadamente, séries de raciocínios e intuições [...]. Dela me prezo, sem vangloriar-me. Surpreendo-me, porém [...], penetrando conhecimento que os outros ainda ignoram. O senhor, por exemplo, que sabe e estuda, suponho nem tenha ideia do que seja na verdade — um espelho? [...] Reporto-me ao transcendente. Tudo, aliás, é a ponta de um mistério. Inclusive, os fatos. Ou a ausência deles. Duvida? Quando nada acontece, há um milagre que não estamos vendo. Fixemo-nos no concreto. O espelho, são muitos, captando-lhe as feições; todos refletem-lhe o rosto, e o senhor crê-se com aspecto próprio e praticamente imudado, do qual lhe dão imagem fiel. Mas — que espelho? Há-os ‘bons’ e ‘maus’, os que favorecem e os que detraem; e os que são apenas honestos”.

Para mim, a cultura nasce pela palavra. E Mikhail Bakhtin (2006) vem me amparar, dizendo: “Tanto é verdade que a palavra penetra literalmente em todas as relações entre indivíduos, nas relações de colaboração, nas de base ideológica, nos encontros fortuitos da vida cotidiana, nas relações de caráter político etc. As palavras são tecidas a partir de uma multidão de fios ideológicos e servem de trama a todas as relações sociais em todos os domínios. É, portanto, claro que a palavra será sempre o indicador mais sensível de todas as transformações sociais, mesmo daquelas que apenas despontam, que ainda não tomaram forma, que ainda não abriram caminho para sistemas ideológicos estruturados e bem formados”.

Exerça a cultura. Use a palavra. Conte histórias.


*Este conteúdo é de responsabilidade do autor e não representa, necessariamente, a opinião do Diário de Uberlândia.
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