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21/03/2024 às 08h00min - Atualizada em 21/03/2024 às 08h00min

Holofotes apagados

IVONE ASSIS
A vida de escritor é uma jornada que merece estudo comportamental de mercado e análise psicológica, para ver se há alguma lógica que envolva o conteúdo literário, no quesito qualidade, na hora da escolha, seja para montar stands e prateleiras, seja para adaptar para filmes e similares; algo que fuja do mero interesse comercial. Embora as cifras falem mais alto, não os culpo, afinal são eles quem pagam os altos custos. O consumidor de conteúdos, sim, tem responsabilidade no que consome.

Também é preciso entender o que se passa na mente de quem indica, seleciona, ensina... de quem lê... Os prêmios literários, por exemplo, se tornaram um jogo de interesses. E até penso que este é um jogo de mão dupla, porque os autores que atingem certa ascensão (em sua maioria) também trancam a sua acessibilidade, sentindo-se importantes demais, ignorando convites menores, seja para entrevista, palestras, ou qualquer assunto que exija sua presença. Isso ocorre porque, na neurose da fama, isso seria diminuir-se, e sua fase diminuta já passou, então, dane-se quem ainda está por vir.

E se a pauta é o novo leitor, esse é quase sempre fruto da influência, logo, vai pelo comercial, pela indicação... ou mesmo pelo resultado de prêmios e concursos, e assim se segue uma estrada sem fim.

Mas o ponto psicológico a ser analisado é quando se trata do leitor experiente, do professor, das bancas examinadoras para escolhas de obras nas salas de aulas, feiras, congressos, premiações... infinitos. Essa escolha não pode se pautar na “escrita do momento”; essa análise deve ser imparcial, em estilo funil, em que se inicia pela leitura de enormes grupos de pessoas comuns em diferentes cidades, estados e classes sociais e culturais; do resultado obtido, segue-se para os conselhos e bancas, para, só depois desse processo, atingir o resultado e, então, alcançar (com responsabilidade) o leitor.

A mídia é focada nas cifras, portanto, divulgará qualquer coisa que pague o preço; e está certa, porque vive de sua proposta. As plataformas e lojas de vendas seguem o mesmo padrão; e estão certas, porque são elas que pagam suas contas e precisam sobreviver. O cinema, especialista em emoções, sempre estará à frente de qualquer um, porque seu alcance é maior; e está certo porque, do contrário, terá que fechar as portas. O que o cinema pode fazer é primar mais pela saúde mental de seu público, aplicando estratégias que vendam o suficiente em bons produtos, sem precisar se rebaixar às porcarias.

Mas o mundo é selva em qualquer setor. Por exemplo, um escritor que alcança o patamar de roteirista e/ou de produtor, fecha as portas para os demais e foca, exclusivamente, em seus livros, em um cinema parcial, porque produtores são portos em comparação aos escritores, que são grãos de areia.

Dos clássicos, William Shakespeare é o campeão das adaptações, com 891 adaptações diretas. Dos contemporâneos, Stephen King (o mesmo Richard Bachman) tem mais adaptações do que livros escritos; são quase cem produções.

Nicholas Sparks, escritor, roteirista e produtor, queridinho do cinema, reconhecidíssimo no mundo inteiro, é um prodígio; com apenas 25 publicações, tem 11 adaptações para o cinema. E são excelentes, em sua maioria. Quem nunca ouviu falar em “Diário de uma Paixão”, “Um Amor para Recordar”, “Noites de Tormenta”, “Querido John”? Teria ele tantos filmes se não fosse produtor? E ele está certo, porque milita em prol de si.

Contudo, o que fazem os demais portos, como Secretarias de Cultura? Minc? Órgãos culturais subsidiados? Editais? Faculdades de Cinema, de Literatura, de Comunicação... e similares?

Existem milhares de excelentes autores, que vivem a invisibilidade, muitos nunca tentaram, muitos foram boicotados pelo sistema... A questão é: o fato de não terem íntima e manifesta relação com a indústria do cinema, ou com quem decide nos altos escalões, nem mesmo terem sobrevivido ao “milagre” dos prêmios relevantes (Nobel, Jabuti...) faz com que grandes escritores sejam mantidos em holofotes apagados.



*Este conteúdo é de responsabilidade do autor e não representa, necessariamente, a opinião do Diário de Uberlândia.
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