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07/03/2024 às 08h00min - Atualizada em 07/03/2024 às 08h00min

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IVONE ASSIS
Quanto mais recursos tecnológicos e quanto mais acessibilidade aos lugares e coisas, menos as pessoas aproveitam para viver. Segundo Zygmunt Bauman, estamos em uma “Modernidade Líquida”. Essa obra se inicia com uma frase de Paul Valéry que diz: “Interrupção, incoerência, surpresa são as condições comuns de nossa vida. Elas se tornaram mesmo necessidades reais para muitas pessoas, cujas mentes deixaram de ser alimentadas por outra coisa que não por mudanças repentinas e estímulos constantemente renovados... Não podemos mais tolerar o que dura” (Valéry apud Bauman, 2001, p. 7).

Somos os últimos seres humanos que conheceram o mundo sem a Internet, sem a Realidade Virtual e Aumentada (AR), sem a Inteligência artificial (A.I), sem o Big Data, sem os Drones, sem a Internet das Coisas (IoT), sem a Robótica, sem a Impressão 3D. 

Em breve, seremos apontados, na história, como o povo da época do nascimento do computador, o povo que nasceu no mundo incomunicável. Mas isso será uma grande inversão de valores, porque, embora tenhamos nascido antes da rede de comunicação virtual, somos a geração que, verdadeiramente, soube o valor da comunicação. Sabemos o valor de uma prosa olho no olho; o valor de um encontro longe de qualquer aparelho eletrônico, só pelo prazer de desfrutar da boa conversa.

Como anunciou Valéry, a fome de inovação já não suporta a quietude. É uma constante necessidade de mudanças. Essa “Modernidade Líquida” de Bauman é composta pela geração da ansiedade, do estresse, do medo, da depressão, das Síndrome de Burnout e do pânico, dos transtornos alimentares, da insuficiência cardíaca... Tudo tem efeito colateral, e o preço a se pagar pelo sedentarismo, pela alimentação inadequada e diante da tela, pelo isolamento... são consultórios lotados.

A aceleração das atividades é a desaceleração da vida. É a Terceira Lei de Newton, ou seja, o Princípio da Ação e Reação. Não temos todas essas necessidades, e nada nos impede de vivermos mais integrados ao pedacinho de meio ambiente que nos resta, o que nos falta é, talvez, refletir um pouco na frase inscrita no Templo de Apolo, onde ficava o oráculo de Delphos: “Conhece-te a te mesmo”.

O corpo sem saúde mental padece. Ela está, intrinsecamente, ligada ao conhecimento e, consequentemente, ao autoconhecimento. Se antes de Cristo essa informação já existia, e continua a fazer-se necessária, é porque, apesar da tecnologia, sobre o comportamento, praticamente, nada mudou. E mudanças eficazes vêm de dentro para fora.

O conhecimento e o autoconhecimento são capazes de nos fazer reconhecer nossas potencialidades e nossas limitações. Se tivermos conhecimento e autoconhecimento haveremos de saber lidar com nossas emoções, a fim de tomar decisões assertivas, e sem medo; saberemos lidar com nossas imperfeições. É por meio do saber que encontramos o nosso propósito, e quando temos um propósito, toda sombra é dissipada.

O sucesso profissional só existe quando há sucesso pessoal. A vida quebrada pede reconstrução. Não podemos viver sem equilíbrio, como se fôssemos crianças em um mundo de fantasia; também não podemos ser uma juventude desmedida, movida pela audácia; por fim, devemos viver cada etapa revestidos de conhecimento. Nós, adultos, somos incumbidos de apresentar resolução para o problema.
As perguntas “Quem é você?” e “O que você quer ser?” exigem profundo conhecimento de si para que a resposta seja adequada. Mais que estar conectado às coisas, é preciso estar conectado consigo, pois é essa intimidade que promove segurança.

Pensemos na criança, tudo o que ela mais quer é aninhar-se na proteção dos pais; mas ao descobrir a arte de engatinhar ou andar, passa a querer autonomia, isso lhe dá muito prazer. E o prazer é primordial para o bem viver. 

Crianças criadas sob o espanto da discórdia dos pais tendem a ter sérios problemas comportamentais. A infância é o eixo norteador da vida adulta. A autoestima leva à autoconfiança. A liquidez escraviza, então, contrariando Valéry, a vida saudável pede solidez.



*Este conteúdo é de responsabilidade do autor e não representa, necessariamente, a opinião do Diário de Uberlândia.
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