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14/03/2024 às 08h00min - Atualizada em 14/03/2024 às 08h00min

Tempo volátil

IVONE ASSIS
Em nossos dias, o tempo deixou de ser líquido para se tornar volátil. Está cada vez mais propenso às intempéries. Sua vaporização sofre variações extremas, conforme o clima da conversa. À mais tenra pressão, a temperatura muda e o ambiente se fecha. A qualquer desvio de interpretação, o vento sai de brisa para tornado. Quando pedimos ajuda aos gregos, da Filosofia Clássica, dá para imaginar o espanto de Querofonte ao se deparar com a frase “Conhece-te a ti mesmo”, inscrita no Templo de Apolo (oráculo da cidade de Delphos). Afinal, de lá para cá, o mundo é outro, contudo, a essência humana é a mesma. Por mais que já não existam os milênios passados, com suas invenções da lança ou descobertas da pólvora, nem mesmo existam os séculos recentes, com a invenção do foguete, do mimeógrafo, do telefone... e a descoberta da vacina contra a poliomielite e outras tantas, as pessoas continuam adoecendo e se angustiando. A vida é sequencial.

A ansiedade veio como uma nuvem gigante, e desaguou sobre a humanidade. Até as crianças andam ansiosas. O capítulo 6 do livro de Mateus (Bíblia Sagrada) apresenta um ensinamento espetacular, o qual diz, nos versículos 25, 27, 34: “Não se preocupem [...] quanto ao que comer ou beber; nem [...] quanto ao que vestir. Não é a vida mais importante que a comida, e o corpo mais importante que a roupa? ”. “Quem de vocês, por mais que se preocupe, pode acrescentar uma hora que seja à sua vida? ”. “Portanto, não se preocupem com o amanhã, pois o amanhã trará as suas próprias preocupações”.

O objetivo tanto da filosofia como da teologia, neste contexto, é que sempre nos questionemos sobre nossas escolhas, nosso estilo de vida e, sobretudo, nosso autoconhecimento. Devemos estar certos de nossas decisões, portanto, cientes de que há um preço a se pagar segundo as escolhas, e antes de escolher, é preciso estar disposto a esse pagamento.

Sócrates, apesar de ser declarado, pelo oráculo, como o mais sábio dos homens gregos, preferiu assegurar “Só sei que nada sei”. O filósofo se propôs a uma missão em busca do conhecimento verdadeiro (episteme), para tanto, deixou o senso comum e pôs-se à disposição da maiêutica, a fim de alcançar a verdade, para tanto, passou a indagar a cidade sobre as certezas de cada um e a sua própria. Sua pesquisa de campo desencadeou a fúria das autoridades gregas, as quais não suportando a ironia do filósofo, condicionou-o à humilhação (morte intelectual e conceitual) ou à morte física.

Sócrates, no recorte filosófico e ético, cria na imortalidade e pregava a moral, nunca apoiou a tirania, mas também não defendeu a Democracia, essa “dupla traição” política lhe rendeu um cálice de cicuta. Afinal, quem eram aquelas autoridades que tudo sabiam? “Ninguém” sabe. Mas Sócrates, aquele que “nada sabia” imortalizou-se nas bibliotecas, para que conhecêssemos uma fração daquela história e, comparando-a aos nossos dias de comunicação instantânea e liberdade de expressão, entendamos que o conceito é o mesmo, o que mudou foram as rédeas.

O filósofo nos convida ao autoconhecimento, a fim de reconhecermos nossas potencialidades e nossas limitações. Convida-nos ao autoquestionamento, para que saibamos lidar com nossas emoções, a fim de tomarmos decisões assertivas, com conhecimento e sem medo de lidar com nossas imperfeições. A proposta é que sejamos conscientes de nossas responsabilidades, mediante nossas escolhas. Quando há propósito, toda sombra é dissipada. Precisamos saber quem somos e não qual título carregamos.

O dinheiro, a fama e o poder são bons, mas são limitantes e limitados. Já a saúde, a felicidade e o conhecimento além de amplos, plenos, potencializadores... são capazes de proporcionar todos os demais, sem escravidão. O resultado é consequência do processo. Querer estar em todos os lugares porque a agenda exige é renunciar à alegria de viver a breve vida que temos. O descompromisso consigo conduz ao dissabor do tempo volátil.



*Este conteúdo é de responsabilidade do autor e não representa, necessariamente, a opinião do Diário de Uberlândia.
 
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