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02/03/2024 às 08h00min - Atualizada em 02/03/2024 às 08h00min

Lições de Abismo – Parte II

EDMAR PAZ JUNIOR
Foto: Reprodução/Internet
Há um ponto interessante, peculiar nessa obra de Corção, que não duvido em nada ser proveniente da genialidade do escritor. No livro, que em certa medida – até mesmo pelo próprio nome –, “promete” nos mostrar lições sobre o que o autor entende por “vida” – e digo isso conhecendo uma parte bem pequena de suas obras, mas relativamente suficiente para perceber que uma de suas maiores buscas era justamente tentar entender, não apenas o porquê de estarmos aqui, mas em como encontrar algo que pudesse fazer sentido nesse nosso “exílio”.

Essas lições propostas no final do livro, se “perderam”, ou ficaram “ilegíveis” porque o escritor quis que assim fosse, ou seja, cada ser, cada indivíduo refletiria sobre suas próprias lições, e de acordo com a sua experiência, as elencariam, fazendo uma espécie de “jogo” entre autor e leitor. Sim, o livro é belíssimo, como já afirmei tantas vezes que Corção o faz, e não seria espanto se realmente fosse essa a sua intenção.

A excelente introspecção que José Maria faz no decorrer das páginas são como um guia para que também as façamos – como uma espécie de aviso, bem antes de descobrirmos estar com uma doença em estado terminal de vida. Essa reflexão do personagem, revendo quase toda a sua vida como que diante de uma tela, nos dá a oportunidade também de tentar fazer o mesmo. 

As lições – que seriam o desfecho do livro, talvez como ápice da obra – que o personagem teria conjecturado após se deparar frontalmente com a morte e a real noção de finitude desta vida, poderia nos remeter a ideia da frase latina “memento mori”, que significa “lembre-se da morte”, como um lembrete de que nosso tempo aqui acaba. 

Essa “consciência” do fim, fez com que o personagem José Maria realmente tivesse um vislumbre daquilo que só poderemos ter plenitude de entendimento quando estivermos sem a “limitação” que o mundo nos impõe, ou seja, sem as distrações que fazem com que percamos de vista o que realmente importa: nossa vida Eterna. É um verdadeiro desnudamento de tudo aquilo que pesa na nossa alma, das angústias, medos, aflições, e que ressalta um desprendimento extremo pelos bens materiais que turvam nossa visão, e possibilita esse “ver além”.

Se foi realmente isso que Corção desejava, resolvi fazer minha parte e tentar elaborar uma lista com cinco pontos que acredito serem de grande importância para arrefecer um pouco esse caos que vivemos todos os dias. Esses pontos não foram escritos de uma vez; são pedaços de escritos meus ao longo de alguns anos, que acabam por transmitir outra ideia essencial também: estamos em constante transformação, e nossa jornada é sempre a tentativa de aprimoramento, que não necessariamente acontecerá em todos os momentos. Muitas vezes temos de dar dois passos atrás, para ter uma visão melhor da circunstância em que nos encontramos: recolhemos as lições que aprendemos com os erros, e acertos, de determinada situação, e seguimos. 

O primeiro ponto que trago, versa sobre Pérolas. Pode não passar de um pensamento um tanto quanto simplista, mas mesmo assim acho importante. Elas são joias raras, lindas e perfeitas. São resultado de uma “agressão”, ou melhor, uma “invasão”, que as ostras sofrem quando impurezas penetram dentro de sua casca, fazendo com que tenham uma reação química em seu organismo, liberando enzimas que cercarão e envolverão aquele intruso, resultando em uma esfera perfeitamente lisa e rígida. É um processo de dano, que quando passa, gera uma obra linda da natureza. Assim também somos nós. Temos de passar por esses danos, lidar com intrusos, receber agressões e no final o que importa é o que fazemos com o que nos atinge: podemos perecer ou simplesmente fabricar pérolas. 

São três as ideias que se extraem e se complementam nessa pequena parte de um conceito. José Ortega y Gasset diz que “a reabsorção das circunstâncias torna concreto o destino do homem”, ou seja, tudo aquilo que nos é atirado pela vida deve ser redirecionado de forma que trabalhe em favor de nossos objetivos, pois só assim nossa vocação de fato se realizará. 

A antifragilidade, que Nassim Taleb ensina, apresenta o conceito de crescimento diante das adversidades. Enquanto resiliência denomina aquilo que não se quebra, que resiste, embora permaneça do mesmo tamanho, a antifragilidade é o verdadeiro crescimento por conta daquilo que nos atinge, pois incentiva não apenas a resistência, mas acrescenta a evolução. Ser antifrágil não é só o “não se quebrar”; é muito mais o “ganhar força e tamanho” com cada impacto.

Por último, e talvez mais essencial, há um terceiro ponto extremamente relevante sobre essa lição: nós não somos eternos, mas as pérolas são. É preciso ter muito cuidado com o legado que vamos deixar: não fazer nada não vai nos fazer ser menos ruins; é preciso sempre fazer o que é certo, pelos motivos certos.

Esse é o primeiro ponto, a primeira das minhas cinco “lições”, que acredito podermos começar a observar em nós mesmos: tudo aquilo que acontece conosco pode ser usado por nós como ensinamentos do que fazer e do que não fazer, mas cientes de que nossas ações importam e impactam na vida dos outros, e mais, elas são permanentes: aquilo que fazemos “fica”. Não pereçamos diante das adversidades, mas, sim, fabriquemos pérolas. 

Lições de Abismo, Gustavo Corção.



*Este conteúdo é de responsabilidade do autor e não representa, necessariamente, a opinião do Diário de Uberlândia.
 
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