Diário de Uberlândia | jornal impresso e online Publicidade 1140x90
29/02/2024 às 08h00min - Atualizada em 29/02/2024 às 08h00min

Envelhecer com sabedoria

IVONE ASSIS
Na brevidade da vida, o mês de fevereiro é o mais afoito, dispensando três dias. De quatro em quatro anos, alonga-se a ter 29 dias. Este 2024 é uma dessas exceções, concedendo-nos um dia a mais para viver, envelhecer e refletir.

Lembrando-me de meu papai, um homem simples, o qual foi embora na juventude de seus 78 anos; e de meu avô, o qual, faltando poucos meses para completar 103, disse-me: “Aconteça o que acontecer, ainda assim serei grato. Pois, eu vim nesta vida, amei e fui amado, igualmente”, penso no quanto aprendi com ambos. Ora, esses dois dedicaram toda a sua vida ao campo. Com sua sabedoria, sabiam a estação certa para o plantio da terra.

Já aos 100 anos, um dia, sentados à porta da sala, observando a movimentada avenida da casa de mamãe, o vovô, com sua sabedoria de sempre, e olhando para o lugar onde estiveram os pés de mangas, do outro lado da rua, disse-me: “Cortaram todas as plantas que eu plantei ali, antes que dessem frutos”. Refletiu um pouco, e concluiu: “Por que será que queremos embirrar nesta vida? Até as plantas florescem e frutificam em seu tempo, e depois morrem, respeitando o ciclo da vida”. Rimos juntos e comentei com ele o ensinamento que ele próprio me dera: “O segredo, vovô, é sermos felizes enquanto o fôlego persiste”.

Embotada de saudades, já há 11 anos sem meu pai e dois anos sem meu avô, e desfrutando da alegria de poder abraçar minha impávida mãe, não tenho dúvidas de que aqueles dois homens de boa-fé e essa mulher colossal, ensinaram-me a ponderação e a importância do enfrentamento. E, agora, relendo “Saber envelhecer”, de Cícero, imagino que a minha maturidade abriu, ainda mais os meus olhos do conhecimento.

Meu primeiro encontro com os filósofos foi nos livros de um tio. Livros azuis de capa dura. Na minha adolescência, aquilo não fazia muito sentido, mas eu gostava do que lia, e intrigava-me ver, nas capas, apenas um de seus nomes. Afinal, não teriam eles sobrenomes? Agora, já em minha velhice de mais de meio século, relendo Cícero, deparo-me com a frase: “Hoje pareceu-me útil escrever-te sobre a velhice”. “A velhice afigurou-se-me, repentinamente, doce e harmoniosa”.

Mais adiante, o autor traz, na voz de Catão, “Os velhos inteligentes, agradáveis e divertidos suportam, facilmente, a velhice, ao passo que a acrimônia, o temperamento triste e a rabugice são deploráveis em qualquer idade”. Depois, complementa: “Na extrema indigência, mesmo o sábio não poderia considerá-la [a velhice] leve; quanto ao imbecil, ele a julgará pesada mesmo na riqueza”. E ainda, trazendo Górgias de Leôncio, influenciador de Sócrates e de Platão, afirma: “Nada tenho a reprovar à velhice”.

Cícero continua: “Porventura julgais-me ocioso, a mim que estive implicado em todo tipo de guerras – como soldado, tribuno, legado ou cônsul –, por que não mais participo de nenhuma?”. E continua: “E se vos derdes o trabalho de aprender um pouco de História estrangeira, vereis que numerosos Estados desmoronaram por culpa de homens jovens, e que outros foram mantidos e restabelecidos por velhos”. Ora, ora, “a irreflexão é própria da idade em flor, e a sabedoria, da maturidade”.

Enquanto vou me aninhando na saudade de meus velhos, tomando uma lambada aqui e outra ali, próprias de meu processo de aprendizagem, de vez em quando, sinto o rubor na face, afogueando-me as bochechas, por refletir sobre tantas intempestividades de minha juventude, as quais vieram caindo em si, sob a monitoria da maturidade. Como eu poderia remeter a velhice a uma condição de inatividade, se é justo ela que me traz à lucidez?

Portanto, entendo que nunca somos velhos o suficiente para deixar de aprender, ou mesmo para perder a esperança de usufruir um pouco mais da vida. O que plantamos agora, com sorte, será nosso próprio alimento no amanhã, mas, se não o for, servirá para aqueles que virão depois de nós. Por isso, devemos escolher bem o que plantar, para que nasçam bons frutos. Chamo isso de envelhecer com sabedoria.



*Este conteúdo é de responsabilidade do autor e não representa, necessariamente, a opinião do Diário de Uberlândia.
Leia Também »
Comentários »
Diário de Uberlândia | jornal impresso e online Publicidade 1140x90