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03/02/2024 às 08h00min - Atualizada em 03/02/2024 às 08h00min

Os temperamentos

EDMAR PAZ JUNIOR
Foto: Reprodução/Internet
Em vários textos aqui da coluna temos comentado sobre questões que envolvem o aprendizado e desenvolvimento de nossas virtudes. Como uma espécie de guia, de balizas, que servem ao propósito do nosso próprio desenvolvimento como pessoas melhores – ainda não entro nem no mérito da religião, apesar de certa indissolubilidade –, as virtudes, em particular as cardeais, são verdadeiras formas de fortalecer nosso caráter e possibilitar uma sociedade melhor. Se a sociedade é feita de indivíduos, é através do “aprimoramento” individual que melhoramos com tal.

Deste modo, quando tentamos alinhar nossa consciência e agimos com prudência, temperança, fortaleza e justiça, na imensa maioria das vezes as consequências de nossas ações serão boas e frutíferas para com o todo, para com a comunidade em que vivemos. Já discorremos de forma mais detalhada nos textos sobre as “Lições sobre as Virtudes”, de Santo Tomás de Aquino, e também nos textos sobre a obra “Cristianismo: a Religião do Homem”, do Professor e filósofo Mário Ferreira dos Santos, e acredito que estes livros ensinam muito bem sobre as razões e os passos que necessitamos dar para seguir por esse caminho.

Mas ainda, para além desses ensinamentos sobre as virtudes, há que se falar sobre a necessidade de pôr em prática tais ações. Esta talvez seja a nossa grande dificuldade em relação a esse assunto. É muito fácil elaborarmos e pensarmos em metas grandes para nossa vida e, num impulso ou numa grande “descarga” de motivação, acreditarmos que conseguiremos realizar tal “sonho” apenas carregados pelos sentimentos – ou seja, que o nosso hábito deve ser construído ou motivado apenas pelo que sentimos – e tendemos a acreditar que por tal resolução ser, em suma, boa, a sua realização será fácil. Ledo engano. 

Se formos praticar boas ações apenas quando estivermos “motivados”, raramente produziremos uma. E eis o ponto: não porque é ruim em si, mas sim que abdicar de certas coisas, se sacrificar nas miudezas, as pequenas mortificações, não são de forma alguma atraentes para nós, apesar de estritamente necessárias. Somos feitos para nos conservarmos a todo o custo, quase como se vivêssemos o tempo todo em estado de alerta e constante “modo economia de energia”. Nossos antepassados viveram em meio a grandes perigos selvagens, e três séculos de Revolução Industrial são quase como meros três dias na nossa existência; não se muda uma característica genética em tão pouco tempo.

Por isso, quando começamos a trabalhar nessas questões das virtudes, logo depois de um tempo, percebemos que quase não conseguimos sair do lugar, justamente porque fundamentamos nossa motivação nos “motivos errados”, de modo que acabamos por nos frustrar. Gosto de usar a seguinte frase: “não fazer o que é errado não é suficiente; é preciso fazer o que é certo, pelos motivos certos”.

Esquecemos que mesmo os grandes arranha-céus são construídos com “pequenos tijolos”. É sempre um passo de cada vez, uma meta de cada vez, mesmo que o sonho seja o maior possível. Só conseguimos construir algo quando entendemos o conteúdo, a matéria do que determinada coisa é feita. De maneira bem grotesca, não conseguimos fazer um suco de laranja com um pneu, e para fazê-lo, é preciso conhecer suas diferenças, de que a laranja possibilita o suco e o pneu um deslocamento fácil. Nossa vida é quase como essa similaridade caricata, porque se não sabemos do que somos feitos, se não nos conhecemos, não temos ideia do que fazer e do que somos capazes de produzir.
“A capacidade intelectual não é prova de que um homem será capaz de dominar as dificuldades da vida e aderir aos princípios corretos de ação em tempos de angústia. Apenas uma vontade forte e um caráter firme podem capacitar o homem a resistir a tais provações inabaláveis. A vida é cheia de provações; daí a necessidade da formação do caráter, a necessidade de dominar todos os nossos impulsos, guia-los e dobrá-los à força da personalidade. A formação do caráter requer, antes de tudo, o conhecimento de um ideal que dará ‘direção, medida e valor ao esforço’ (Monsenhor William J. Kerby) a partir do qual o objetivo e os modos e meios de educação devem ser derivados. O homem que pretende ser o perfeito cavalheiro, isto é, o cristão, seguirá necessariamente outros caminhos e usará outros meios diferentes dos daqueles cujos únicos objetivos é apenas ganhar o máximo de dinheiro possível”. 

O ponto importante não é que saber sobre o seu temperamento vai solucionar de vez a sua vida. Porém, certamente vai ser um componente a mais que ajudará a entender certas inclinações e atitudes que são intrínsecas, são “parte” de nós e – menos muleta e mais ferramenta – pode proporcionar alguma forma de melhora em nossas vidas. Eu poderia fazer uma breve descrição dos pontos principais de cada temperamento, mas acredito que fazendo isso aqui, nesse espaço tão curto, acabaria por cair na recorrente superficialidade que somos embebedados o tempo todo pelas redes sociais: de pouca profundidade sobre alguns temas, têm-se sempre uma opinião rasa sobre tudo, quando na verdade não se sabe sobre nada.

Há distinção entre saberes; não que um seja necessariamente melhor que outro, mas evidentemente há alguns que são muito mais úteis que outros. Sabermos o que um participante do BBB pensa ou qual político ele segue nas redes sociais é infinitamente inútil se comparado a se conhecer um pouco melhor, pelo mínimo que seja, e entender como “funcionamos”: o primeiro te prende no lamaçal da imbecilidade; o segundo te possibilita mais uma chance de abertura para o desenvolvimento intelectual. 

Por essa maneira de pensar, acho a frase de Sócrates, que o autor utiliza no título original publicado em 1934, fabulosa e de um timing incrível: “Conhece-te a ti mesmo”.

Os Temperamentos, Pe. Conrad Hock.


*Este conteúdo é de responsabilidade do autor e não representa, necessariamente, a opinião do Diário de Uberlândia.
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