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11/01/2024 às 08h00min - Atualizada em 11/01/2024 às 08h00min

Pele de asno

IVONE ASSIS
“Pele de Asno” (1694), de Charles Perrault, vem registrando o marco literário do gênero Literatura Infantil, pois, de acordo com Philippe Ariès, em “História social da criança e da família” (Ed. Guanabara, 1986, 2ed., p. 65): “A descoberta da infância começou sem dúvida no século XIII, e sua evolução pode ser acompanhada na história da arte e na iconografia dos séculos XV e XVI. Mas os sinais de seu desenvolvimento tornaram-se particularmente numerosos e significativos a partir do fim do século XVI e durante o século XVlI”.

Assis sendo, “Pele de Asno” já vem com esse olhar sobre a infância, mas não só; o conto apresenta questões sociais como o incesto, infelizmente um mal que ainda persiste, mas também aborda a astúcia, a sabedoria, o arrependimento, o perdão, o amor... e afins.

O conto exibe a história de uma princesa órfã de mãe, e esta infanta será assediada pelo pai, o qual, por excesso de amor à esposa falecida, faz-lhe um juramento insano no último suspiro dela. Desse compromisso surge a proposta de um casamento incestuoso. A menina, sem alternativas, mas com a sabedoria e determinação que herdara da mãe, foge de casa e passa a ser serva, na mais baixa categoria, em uma granja, que criava aves para uma família real.

Todavia, o amor não tem cor, nem classe social, então, num belo dia, adoecido de amor, o jovem príncipe, apaixonado, a desposará, e…

O intrigante conto “Pele de Asno”, de Perrault, narra o grave perigo que a menina enfrenta, correndo o risco de se unir incestuosamente ao pai. No entanto, ela usa de sua expertise para se livrar do logro. Para tanto, conta com a ajuda de uma Fada Madrinha, que além de a orientar, lhe presenteia com sua varinha mágica, como presente para um recomeço melhor.

Ao sair de casa, a menina passa a lutar com as armas que tem, no seu caso, naquele momento, sua espada era tão somente o conhecimento e a criatividade. E aí retomamos a máxima, “o conhecimento é algo que ninguém nos rouba”. Com o tempo, a jovem conquistou o coração do herdeiro do trono que custeava aquela granja onde ela estava de serviçal. Primeiro, fisgou-o por seu zelo pessoal e autoestima; depois concretizou o processo de conquista por meio de sua arte culinária e sua astúcia em deixar pistas certas, na hora adequada; por último, realizou o seu plano, casando-se com o jovem e belo príncipe que, há tempos, conquistara-lhe o coração.

Como bônus, por sua sabedoria, ganhou uma belíssima e suntuosa festa real. E, de presente, reconquistou o amor paterno do rei seu pai, que se arrependera de sua sandice (esteve cego com sua asneira), mas, agora, de olhos desvendados, muito se alegrara em rever sua filha.

Nesse caso, a desobediência filial deve ser vista como sabedoria, para que se compreenda que o erro nunca deve ser acatado, mesmo que isso venha de ordem superior. O conto apresenta algumas questões indesejáveis que faziam parte da sociedade da época, e que caíram por terra, graças à sabedoria de alguns, portanto não vale a pena trazê-las à superfície. Prefiro ater-me aos problemas ainda não resolvidos. A ousadia da moça mostra que qualquer um pode ser independente e fazer escolhas certas, por mais difícil que seja a situação. Também o conto é uma crítica às mulheres tolas e ambiciosas e um enaltecimento ao saber feminino das mulheres determinadas e virtuosas.

Por fim, dentre as muitas possibilidades de releitura que o conto oferece, nota-se que a riqueza muitas vezes é desprovida de saber, mas se há alguma virtude, esta deve ser aproveitada. Aquela rainha-mãe educou muito bem sua filha e quando a educação dos filhos é boa, eles crescem nos bons princípios, isso fez da infanta uma mulher empoderada. O conto ensina também que o perdão e o arrependimento podem alcançar a todos, por mais absurdo que pareça. Por último, aprendemos que a beleza, muitas vezes, pode até estar sob a pele de um asno, mas o amor está para todos e pode ser encontrado até pelo “buraco da fechadura”.



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