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23/12/2023 às 08h00min - Atualizada em 23/12/2023 às 08h00min

Uma Canção de Natal

EDMAR PAZ JUNIOR
Foto: Reprodução/Internet
Temos tentado nesta coluna, em certa medida, redirecionar nossos olhos para aquilo que mais importa em nossas vidas – e que geralmente passa “despercebido”, porque são as pequenas coisas –, ou melhor, buscamos tentar “reanimar” a chama da percepção dos “pequenos milagres” do nosso cotidiano. Estamos o tempo todo sendo instados à uma relativização exacerbada sobre tudo e todos. 

O culto de uma pretensa e falsa virtude da “tolerância” tem produzido cada vez mais bizarrices, cada vez mais distanciamento entre as pessoas. Essa relativização acaba por inibir quase que completamente nossa sensibilidade para com os outros. Há sempre um “veja bem”, um “não é bem isso”, ou pior, aquele “isso não é problema meu”.

Considero que algumas frases também são quase que “mortais”, mas que por serem em si palavras “positivas”, camuflam o real significado que adquire diante de determinadas situações. Peguemos duas como exemplo: “o que importa é fazer o bem” e, pior ainda, “o importante é fazer por amor”. Estas falsas afirmações produzem uma infinidade de consequências, sempre justificadas por estas “sentenças”, que geralmente caminham no sentido da desresponsabilização individual e da culpa coletiva. 

Ora, basta ver alguns minutos do noticiário para perceber o quanto nossa sociedade está se tornando “insalubre” e animalesca, quase sempre justificada pelas “desculpas” acima citadas; é como se estivéssemos brincando à beira de um abismo, e como disse uma vez Chesterton, “na beira de um precipício só há uma maneira de seguir adiante: dar um passo atrás”.

Sim, a Literatura, principalmente através dos livros Clássicos, tem o condão de enaltecer as boas virtudes e de reorganizar a hierarquia dos valores, permitindo que possamos, literalmente, pensar sobre o que está e acontece à nossa volta. Num mundo de individualização sistêmica, mas de coletivização relativizada das responsabilidades, invertemos quase que completamente a ordem daquilo que deve ser mais importante: o Bem genuíno e a Verdade “suprema”.

Charles Dickens foi um escritor inglês que viveu no século XIX, e presenciou as transformações causadas na sociedade pela Revolução Industrial inglesa, que marcaram significativamente a vida das pessoas. Escreveu grandes obras, como por exemplo, David Copperfield (1849), A casa Soturna (1852) e Grandes Esperanças (1860).

À época em que escreveu Uma Canção de Natal, em 1843, Dickens já notava o quanto a sociedade caminhava por esse trajeto tortuoso, e perigoso, de egoísmo exacerbado, que acabava por produzir também não apenas o distanciamento físico das pessoas, mas principalmente o emocional. Escreveu, assim, uma história que pudesse jogar luz num sentimento que começava desde então a se perder: o espírito natalino, que nos faz relembrar e engrandecer a generosidade e o amor ao próximo.

A história gira em torno do personagem principal da obra, Ebenezer Scrooge, um homem rico, amargo, egoísta e deliberadamente isolado em sua vida, que é visitado pelo fantasma de seu amigo falecido há alguns anos, e que antes de morrer era muito semelhante a ele. 

Durante essa visita, o fantasma mostra que ficou preso a esse mundo justamente por aquilo que mais dava valor em vida: seus livros contábeis, cadeados, chaves, cofres, bolsas cheias e promissórias, que ficavam amarrados por uma corrente a sua cintura, sendo condenado a ficar viajando arrastando essas coisas, sem poder ajudar ninguém. 

O fantasma aparece para alertar Scrooge de que se não mudar seu estilo de vida, terminará como ele, vagando por esse mundo, preso ao seu dinheiro e àquilo que não se pode usar no outro mundo, o mundo dos espíritos. O amigo alerta que ainda há possibilidade para ele, e que será visitado por mais três fantasmas: o Fantasma dos Natais Passados, o Fantasma do Natal Presente e o Fantasma dos Natais Futuros.

O Fantasma dos Natais Passados o conduz por uma viagem mostrando onde ele “errou” e quando começou a se transformar num homem que buscava apenas as relações com a finalidade de obter algum ganho, e quando isso não era possível, já as descartavam desde logo. Ou seja, Scrooge enxergava as pessoas e todas as relações apenas como um meio, como objetos para conseguir algo. 

O Fantasma do Natal Presente mostra que ainda há, mesmo contra a sua vontade, pessoas que se importam com ele, principalmente a sua única família, seu sobrinho, e seu funcionário, um homem muito simples, mas que durante a Ceia de Natal produz uma das cenas mais lindas do livro: a humildade da família que é grata por tudo, a simplicidade das pequenas coisas, a Beleza do ordinário e a esperança de que o que está por vir será ainda melhor.

Por último, o Fantasma dos Natais Futuros mostra um vislumbre do que seria seu funeral: o esquecimento, em que ninguém se lembraria dele, ninguém lamentaria. As conversas, os comentários sobre ele seriam apenas de que era um homem sem sentimento algum pela vida e que não fazia a mínima questão de ajudar ninguém; e mais, desejava, além de não ajudar, que ninguém o procurasse. Ninguém se lembraria, ninguém lamentaria sua morte.

O que vemos hoje, é que o natal foi transformado numa festa de “bens”, e as vezes nem isso, perdendo até mesmo o status de “festa”. A velocidade com que vivenciamos nossas experiências, denota cada vez mais essa insensibilidade, um descolamento da generosidade humana, e um apego cada vez maior a bens materiais – e na mesma proporção, a velocidade com que “desamamos” esse mesmo bem. Desejamos ardentemente uma coisa, hoje; amanhã o desejo já é por outro item qualquer da moda.

Não importa de onde tenha vindo ou quais foram os motivos que fizeram você sofrer – próprio Scrooge não conta o porquê havia passado natais tão tristes –, nem como estão suas angústias, mas a questão é que mesmo que não possamos mudar o que passou, temos a possibilidade de transformar nosso final. 

A época do ano é propícia – apesar de que todos os dias são uma nova possibilidade –, o livro é uma ótima ideia, mas a maior mostra que podemos realizar, no sentido de ajudar outras pessoas e mudarmos nosso futuro, está em nós mesmos: a generosidade, a caridade para com o próximo, é o combustível que move o mundo. 

Não importam nossas dores, mas sim o que faremos com elas: as usaremos como desculpas para cada vez mais nos amargar, ou as tomaremos como lições e não as perpetuaremos nos outros? Lembre-se de uma coisa, cada boa ação gera um bem para a humanidade, por mais ínfima que seja.

Uma Canção de Natal, Charles Dickens.  

 
*Este conteúdo é de responsabilidade do autor e não representa, necessariamente, a opinião do Diário de Uberlândia.

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