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16/12/2023 às 08h00min - Atualizada em 16/12/2023 às 08h00min

Cristianismo: A Religião do Homem – Parte IV

EDMAR PAZ JUNIOR
Foto: Reprodução/Internet
“A ascensão do homem exige esforço e sobretudo coragem. ” O que o Professor Mário Ferreira diz, e que corrobora o entendimento que estamos tentando construir, é que apesar de não ser fácil, é possível buscar sermos melhores, se formos corajosos de sair do nosso estado de conforto. Com efeito, “a elevação do homem exige coragem, portanto, heroicidade. Corajosos são os que se dedicam a aumentar o seu saber, a purificar a sua vontade e a acrisolar o seu amor. ” 

Essa prática, a habitualidade de reiteradamente fazer atos que visem o Bem, tem como fundamento justamente as virtudes cardeais faladas no texto anterior. Ou seja, quanto mais as praticamos e as visamos como fim, mais nos elevamos em nossa condição humana. “E são virtudes cardeais porque é em torno delas que gira a vida superior do homem. O homem só é grande onde essas virtudes são praticadas. Não esqueçamos nunca que é fácil não segui-las. Qualquer covarde pode ser imprudente e negar-se estudo; qualquer injusto pode ser facilmente imoderado. Só há grandezas nos que são capazes de realizar essas virtudes”.

O Filósofo caminha para uma explicação que diferencia essas virtudes “humanas”, as cardeais – pois podemos adquiri-las conforme as praticamos –, para as virtudes teologais, ou seja, aquelas que são infundidas em nós. Estas, ao contrário daquelas, por mais que nos esforcemos, não surgem pela nossa própria vontade, nem porque somos capazes de pensar nelas. 

“Mas quem é capaz de adquirir por si a fé, se descrente é seu coração? Quem pode adquirir a esperança, se não crê em possibilidades melhores? Quem pode amar se seu coração está seco para o amor? (...) elas surgem, subitamente, sem que, à primeira vista, saibamos de onde vêm. Subitamente em nós se ilumina a fé, crescem as esperanças, e anima-se a nossa caridade. Estas virtudes vêm de algo que não é a nossa vontade, nem o nosso entendimento; vêm de algo que também deve tê-las, e mais, o poder de dá-las. Não são as coisas brutas que nô-las dão, porque as coisas brutas não as têm; não são as plantas, nem os animais, porque nenhum deles as tem. É mister, portanto, algo que as tenha para no-las dar. E como elas não surgem de nós, não são criações nossas, devem vir de algo superior a nós”. 

Santo Agostinho fez uma maravilhosa investigação, muito semelhante a essa que Mário Ferreira faz, no sentido de “como encontrar Deus”, e que de certa maneira se completa um pouco com essa obra em comento. Somos seres “anelantes de Verdade, anelante de Bem e anelante de Amor”, nas palavras do Filósofo brasileiro, e o Bispo de Hipona diz, no seu Confissões, acerca da memória: “como sei que esqueci algo, se não consigo me lembrar daquilo que esqueci? ”, e continua investigando depois, dizendo que por várias vezes, quando lembramos de um rosto, mas não do nome daquela pessoa, sentimos que falta algo, como se lembrássemos de uma coisa apenas quando lembramos do conjunto. 

Da mesma maneira que quando lembro de um rosto, e falta-me a lembrança do nome, e como lembro do nome e do rosto como um conjunto, essa sensação de que nos falta algo quando pensamos em Deus, reflete a lacuna de um “todo” completo que não lembramos, mas que está em algum lugar da nossa memória, porque sabemos estar lá. Se sabemos, está em nós; se está em nós, há um caminho; e se há um caminho, este caminho também está em nós. 

“Eu vim para te indicar o caminho. E esse caminho está em ti. Eu estou em ti, porque eu sou o caminho. Eu sou o homem divinizado, não pela ilusão que lhe dá o orgulho, que o faz supervalorizar o que é. Eu sou o caminho do homem, que julgando com justiça o que é, e com inteligência, acha o que deve fazer e pela vontade o faz”, diz o filósofo brasileiro, parafraseando Cristo.

Se buscamos o Bem Supremo, que é aquele que nos serve conforme nossa natureza – justamente a inteligência, a razão –, que se encontra em algum lugar “remoto”, ou seja, não é um bem imediato, pois não buscamos apenas a satisfação de um instinto, mas sim uma projeção futura desse bem – e também sobre o que representou no passado –, pretendemos também a Verdade Suprema, pois não desejamos apenas saber o que acontece “hoje”; buscamos sempre saber “mais”, e isso implica em conhecer as Verdades que estão “distantes” (mas que sabemos estar “lá”, porque lembramos dela como um conjunto) e acima do que sabemos de imediato.

É em decorrência de uma certa “incoerência”, em grande medida, a causa desse mundo caótico, porque a imensa maioria das pessoas não são capazes de negar a si, de buscar os bens remotos, aquele Bem Supremo, e esforçam-se – ou não – para ter apenas o que lhe sacia no momento, o prazer imediato. 

“Portanto, o teu itinerário é este e à proporção que aumentes à vontade, a tua inteligência e o teu amor, dentro de tuas forças, estarás marchando para ele, para o Supremo”, escreve o Filósofo. E continua mais a frente: “Esse caminho sou eu (Cristo), e por isso tomei a forma humana, para que a religião fosse humana e se realizasse através do homem”.

Eis a principal ideia do porquê o Cristianismo ser a religião do homem, como procura dizer o Professor Mário Ferreira, porque apenas ele explica e se realiza em comunhão com nossa natureza, de elevação da nossa humanidade como condição de perfeição, e que, principalmente, fornece os meios para isso.

Cabe uma importante ressalva aqui: este não é um livro religioso, que tenta te convencer a se tornar cristão; trata-se, a bem da verdade, de uma verdadeira obra filosófica que busca, a um modo aristotélico de investigação, partindo do que se tem, do que é real, para aquilo que se mostra o mais “ideal”. Desse modo, assim como cada vez mais acredito, ele apresenta uma religião lógica, uma logicidade, e justamente para aqueles que se dizem “práticos”, para os que dizem seguir apenas o que é “racional”, seria o único caminho possível.

Cristianismo: A Religião do Homem, Mário Ferreira dos Santos.



*Este conteúdo é de responsabilidade do autor e não representa, necessariamente, a opinião do Diário de Uberlândia.
 
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