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07/12/2023 às 08h00min - Atualizada em 07/12/2023 às 08h00min

Aumentar um ponto

IVONE ASSIS
Há tempos, buscam-se métodos de melhorar o convívio social da criança por meio da Contação de Histórias. Essa é uma metodologia eficaz, haja vista envolver as emoções de quem escuta e de quem conta. Talvez por isso seja tão importante que pais, mães, avós, tios, tutores... dediquem parte de seu tempo a contar histórias para seus aprendizes. 10 minutos diários farão uma grande diferença na vida do pequeno espectador.

Cada contador tem seu meio de atuação, sua forma de leitura e sua própria recriação, a fim de ampliar o pensamento imaginativo de seu público ouvinte, tornando a história ainda mais divertida. Ludicidade, humor e a amor são elementos essenciais em uma contação.

Chapeuzinho Vermelho é uma dessas histórias que não envelhecem. A cada apresentação, mais possibilidades e mais adeptos. De sua origem, que é de muito antes de Cristo, até nossos dias de deslumbres com a Inteligência Artificial, muitos lobos-maus implantaram terror nas histórias e muitas risadas foram extraídas da criançada, mas não só. O conto Chapeuzinho Vermelho já estrelou nos paços, nas ágoras, nas salas de aulas, no cinema, na TV, na Net, na A.I. e em tantos outros palcos, mas é nos lares que acontece o melhor da contação, onde o afago familiar agrega o “a mais”, promovendo afeto e confiança.

As primeiras versões surgiram na fonte do “quem conta um conto aumenta um ponto”, em um tempo antes da existência oficial da Infância. Assim sendo, quanto mais assustador fosse o conto, melhor seria para educar os ouvintes, sobretudo os menores e os de menos saberes, por meio do medo e do assombro. Foi ainda nesse prisma que Charles Perrault, “recentemente” (no século XVII), registrou sua versão em formato livro, agradando a “gregos e troianos”, ou melhor, o povo e a nobreza. A contação de histórias era como se fossem as novelas de hoje. O conto procurava relatar as realidades sociais, isso o tornava atrativo aos camponeses e à sociedade em geral, que se viam naquele contexto e dali procuravam extrair respostas para suas angústias. Por ser um “retrato” do cotidiano, conforme a cultura se modifica, também o (re)conto ganha nova roupagem, e assim vai se moldando à contemporaneidade de cada contador.

Essas influências culturais trouxeram Chapeuzinho Vermelho dos vikings para a A.I., com toda a naturalidade de um conto que nasceu para aquele momento. Essa metamorfose é que faz um conto crescer e se tornar um clássico, seja ele um conto de fadas ou um conto sem fadas. Chapeuzinho Vermelho, por exemplo, é um conto Maravilhoso, haja vista não ter fadas, nem por isso deixa de ser “mágico”, no imaginário do leitor.

As muitas releituras são como um processo de criação literária, em que, ao cotejar os textos, o pesquisador segue agregando valor às produções. Mikhail Bakhtin muito bem nos ensina sobre o valor de um texto amparado por outro, em que a releitura, a analogia, a intertextualidade... vão agregando valor ao outro texto. Essa troca fortalece a produção literária, propiciando-lhe vida. Muitos pesquisadores se focam nessa questão, a fim de enriquecer sua escrita, e é por meio de cada nova ideia é que vamos aprendendo e melhorando nossa interpretação.

Assim sendo, ao contarmos histórias a uma criança, e ao lermos para ela, estamos dando-lhe um incentivo para que ela possa criar suas próprias narrativas, bem como possa inventar seu próprio jeito de recontar.

É assim que Chapeuzinho Vermelho salta de um palco para outro, neste grande teatro literário que analisa a sociedade, em sua filosofia de vida. E quanto mais se amplia o saber, mais se concede probabilidades de melhoria e compreensão do ser, a fim de se reescrever mais uma “nova” história. Quem sabe assim, a interpretação e a aplicação de um bom texto converta o ficcional “Era uma vez” pelo real “É desta vez”; e o utópico “felizes para sempre” pelo “feliz agora”, sem perder a diversão de aumentar um ponto.



*Este conteúdo é de responsabilidade do autor e não representa, necessariamente, a opinião do Diário de Uberlândia.
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