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30/11/2023 às 08h00min - Atualizada em 30/11/2023 às 08h00min

A arte é para todos

IVONE ASSIS
Outro dia, passando por Franca-SP, optei por visitar a Casa da Cultura e do Artista Francano. Em uma visitação guiada, ao chegarmos em frente a determinada sala, o guia alertou: “Antes de adentrarmos aí, devo informá-los de que está havendo uma reunião de alguns poetas, portanto, será uma visitação silenciosa, em que deverão apenas olhar”. Meus olhos brilharam, porque o que era para ser um “não vamos entrar” se converteu em um “Obaaaa! Também vou recitar um poema”. Ele me mediu, desconfiado, mas sem alternativa, e sem desistência da minha parte, adentramos a sala. Ah, que povo incrível estava ali dentro. Entrei seguindo as regras do “Olhe em silêncio e ...”, que nada, regras foram feitas para se quebrar. Um olho ficou nos objetos e o outro ficou no evento poético. Afinal, quem manda em olho? A boca, então, nem vou mencionar, pois esta é livre e fala o que quer e quando quer. “Pessoal, desculpe-me, só estou correndo o olho aqui. Podem continuar os poemas”. Foi nesta hora que uma voz surgiu lá do meio da multidão: “Espere aí, qual é o seu nome?”. Sou Ivone. “Eu sabia, você é a Ivone de Assis, de Uberlândia, escr... [e isso e aquilo], já participei de eventos seus duas vezes e você não vai me fazer a desfeita de sair daqui sem participar da nossa reunião”. Ah, meu Deus, que alegria foi aquela. O guia desistiu de mim, e me largou lá, morrendo de rir.

Aquele grupo de artistas da palavra estavam poemando sobre a Consciência Negra e outros versos, e um dos assuntos era o “Projeto Pão e Poesia: em qualquer esquina, em qualquer padaria”, já em sua terceira edição. O acolhimento que tive foi quentinho como pão saindo do forno. Perpétua Amorim foi a poetisa que me convidou a ficar, mas todos ali me acolheram com o mesmo afeto. As palavras pululavam. Os versos trançaram bonito. Foi distribuído um saquinho para pães personalizados, com imagens e poemas “Elas em cena: mulheres que fazem poesia”, o material foi uma gentileza da Prefeitura de Franca com apoio da Feac (Fundação Esporte, Arte e Cultura). Cada poema mais lindo e profundo que o outro.

Para ilustrar, vou reproduzir aqui o poema “Mores”, de Perpétua Amorim, “Sou desdobrável? / Sim! / Sou dobra(dura), / Na queda e na fé. // Na rima e na sina / Origami de tantas cores / Caleidoscópio / Adocicados mores”. Sem dúvida, aquele espaço ali era uma dessas moradas, onde o verbo se enraíza para que a poesia brote, e vieram irrigadas de amizade, resiliência, encantamento, determinação.

Nesse mesmo saco de pão está Josiana Martins, com seu belo poema “Trinta anos”, o qual diz: “Os meus passos me trouxeram até aqui / Mas você sabe o que é andar contra a correnteza? / Por isso tenho orgulho, é sobre merecer / Cada passo”. Esses heróis da resistência, que teimam em fazer poesia, quando o tempo favorece a cultura tanto quanto as pedras favorecem os chás, com certeza, são “lunáticos” que nadam contra a correnteza dos rios e mares bravios, mas certos de que um dia o navio vai se atracar em algum porto seguro.

Eu podia citar muitos outros poemas, como o de Maria Luiza Salomão, com seu jeito de “Almar o amar”; Marissa Vanini Garcia, com seu “Café da tarde”, a poesia a três mãos de Judineia Santos, Thaís Vaz e Joyce Eglit, e tantos outras. Cada qual com sua dor, sua verdade, sua arte... Que sorte a minha em ir tomar chá de abacaxi com pão e poesia, naquela sala de reuniões e uniões.

E se a mulher foi introduzida na sociedade por meio da arte, da poesia e da música, para aprender a se socializar, foi tiro no alvo, porque, hoje, temos um número expressivamente maior, em relação aos homens, de mulheres cultas, com titulações de doutorados, ocupando cargos em todos os setores, donas de si, e com uma cultura invejável. Por certo, homens sábios apoiam suas mulheres. E é por meio da interpretação das palavras que se alcança o saber. Parabéns, mulheres que fazem a diferença neste Universo! A arte é para todos.



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