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23/11/2023 às 08h00min - Atualizada em 23/11/2023 às 08h00min

Sem-parar

IVONE ASSIS
Sempre houve um discurso de que ninguém valoriza a cultura, e isso ou aquilo. Há também os contrários, são aqueles que fazem a diferença na história de muitos, promovendo o quase impossível.

Na semana passada, resolvi fazer um tour em alguns lugares e ir visitando Casas de Cultura, Museus, Bibliotecas, Centros Culturais, e espaços afins. Não se tratava de visita programada, porque isso tira a realidade de cena. Também não se tratava de inspeção, porque não sou fiscal. Era uma visitação comum, como faz o cidadão transeunte. O resultado foi, no mínimo, intrigante, a realidade do país é muito pior do que o imaginário popular descreve. É quase um cenário pós batalha. Exceto pouquíssimas exceções, o que encontrei foi um descaso cultural, cheio de mi-mi-mi e uma espécie de "copia e cola" em um mínimo de ações, que chega a ser ridículo, e ornado por um ego tolhedor. O responsável pelo espaço não tem autonomia e o que tem autonomia não tem "tempo" para dar atenção à cultura, porque está ocupado demais, dando atenção ao ego. A resposta parecia ser até combinada. Em nenhum lugar eu consegui "notícias" do representante mor, também foram pouquíssimos os lugares onde havia gente preocupada para além do cargo. A impressão que tive foi a de "cumprimento de horário" e "faça o que todos estão fazendo, porque a moda agora é essa". 

É muito triste fazer cultura sem viver cultura.  Eu não pude deixar de comparar a situação aos dois ratinhos de "Quem mexeu no meu queijo?" Em que aqueles dois ratos só se preocupavam em roer sua montanha de queijos até se fartar. Na primeira crise, um medo tomou conta de ambos, depois, após muito pelejar, um deles acordou para a vida. Entendeu que é preciso enxergar além do umbigo. 

Ciente do problema, foi mais fácil caminhar, assim como foi largamente possível encontrar soluções. 

De volta à minha peregrinação cultural, visitei cerca de cem espaços, para ter um experimento mínimo e, assim,  produzir essa fala com propriedade. Primeiro, farei uma explanação panorâmica do setor, depois, com tempo, quero trazer as maravilhas culturais que encontrei no caminho. Antes, porém, falarei da "seca e da fome cultural" que também me deparei no caminho.

Cultura não se faz com modismos, sobretudo porque a moda é breve e quando passa deixa um monte de peças a serem descartadas.

Cultura, para mim, é uma construção homogênea, com objetivo único: promover a arte para todos. 

Existem muitas pessoas qualificadas e criativas, mas sem asas para voar. A questão é que, nesse processo de construção, muitos passarinhos batem pregos e muitos tatus assentam os telhados. Todos são altamente eficazes em algo, mas devido ao medo do derretimento do gelo, e o curto prazo, não se organizou os grupos, assim sendo, as funções foram atropeladas,  fazendo parecer que falta competência,  enquanto, na verdade, falta adequação. Imaginemos o chef pilotando o avião e vice-versa, que tragédia. 

Cultura é uma construção, e como tal, pede planejamento, edificação, acabamento, e tempo.  Isso me fez pensar na construção da quase interminável catedral de Colônia, na Alemanha, a qual tive a alegria de visitar há algum tempo. Aquela construção ficou para a história, pois o espaço/tempo entre o lançamento da pedra fundamental, em 1248,  e o término da obra, no século 19, somou um total de 632 anos. Quantas gestões não foram atuantes naquele processo contínuo? As boas gestões edificavam; as ruins empacavam... nesse espicha e encolhe, mais de seis séculos se foram. Quantos governos não se credenciaram naquela história para que hoje assistíssemos o espetáculo que é? A questão não é o tempo, é a determinação, a continuidade e a sequência. Um único iniciar, um contínuo edificar, mas parar nunca. Trata-se de um ritmo sem-parar.


*Este conteúdo é de responsabilidade do autor e não representa, necessariamente, a opinião do Diário de Uberlândia.
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