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18/11/2023 às 08h00min - Atualizada em 18/11/2023 às 08h00min

Arquipélago Gulag – Parte IV

EDMAR PAZ JUNIOR
Foto: Reprodução/Internet
Terminei o último texto contando uma das histórias das torrentes dos presos engenheiros e dos agricultores, mas como dito por Soljenítsyn, foram tantas outras quanto necessárias para que o Partido assegurasse sua hegemonia de ideias, ou seja, quando não consegue combater seus adversários, prendia-os. “’No nosso tribunal revolucionário não fazemos caso nem dos artigos nem das circunstâncias atenuantes; devemos partir de considerações de utilidade’. Naqueles anos houve muitos a quem sucedeu isto: depois de terem vivido tranquilamente, descobriram de repente que a sua existência não era conveniente. Daqui se deve inferir que sobre o acusado não recai propriamente o peso do que já fez, mas do que ele poderá fazer, se não for agora fuzilado. ‘Nós nos defendemos não só do passado, mas também do futuro’. As declarações do Camarada Krilenko são claras como a água. Elas fazem emergir com relevo este período judicial. Através das evaporações primaveris anuncia-se já a transparência diáfana do outono. Será necessário ir mais longe nessa análise, folhear processo após processo? Estas declarações serão inexoravelmente aplicadas.”

A forma como o pavor se instalou na sociedade russa daquelas décadas, somada à camuflagem daquilo que realmente acontecia no país perante a comunidade internacional, permitiu um crescente domínio do Estado, que cada vez mais se colocava como ente “expurgador” das desigualdades e dos males do mundo – nem que para isso tivesse que fazer o mal pelo mal, como evidente e fatidicamente ocorria. É necessário relembrar que a imensa maioria – se não a sua totalidade – dos presos políticos não deveriam sequer ser envolvidos em inquéritos policiais, quanto mais serem mandados para os Gulags, ou mesmo fuzilados.

A importância, mais uma vez, de se conhecer a História, é justamente a de não repetir os mesmos erros. Ademais, entendo haver uma correlação muito forte entre o que aconteceu na antiga URSS e o que ocorre atualmente em nosso país: a supressão do pensamento. Há que se evidenciar, contudo, uma nítida diferença, que reside essencialmente na forma como se realiza tal subversão: enquanto no antigo regime comunista havia claramente esse domínio de forma repressiva, na força policialesca, aqui no Brasil foi, e está sendo, realizado de maneira bem mais sutil, primordialmente através da subserviência das pessoas pela cultura, diminuindo o acesso à certos tipos de conhecimentos: temos uma falsa ideia de que temos acesso à tudo, quando na verdade há apenas uma variedade das mesmas coisas; é como se tivéssemos à disposição somente um produto, mas em diferentes cores.

Algumas vezes nos perguntamos como um país tão grande, como uma nação tão forte e com um povo tão resiliente, como os russos, foram jogados nessa situação...talvez, uma das possíveis respostas seja de Ayn Rand, escritora russa, que conseguiu fugir do regime comunista na década de 1920: “no meu tempo, éramos um bando de pessoas esfarrapadas, famintas, sujas e infelizes, que só tinham dois pensamentos em mente. Aquilo era nosso maior terror, com medo de olhar um para o outro, com medo de dizer qualquer coisa por medo de quem estava ouvindo e nos denunciaria, e onde obteríamos a próxima refeição. Você não tem ideia do que significa viver em um país onde ninguém tem qualquer preocupação, exceto comida, onde toda conversa é sobre comida, porque todo mundo está com tanta fome que isto é tudo o que eles podem pensar e é tudo o que eles podem fazer. Eles não têm ideia de política. Eles não têm ideia de quaisquer romances agradáveis ou amor. Nada além de comida e medo. Isso é o que eu vivi até 1926.”

Uma das questões que permeiam tais relatos – com evidente ojeriza à tais meios que foram utilizados pelo Estado para reprimir seu povo – é também como a população foi permitindo, atrocidade após atrocidade, que tais “líderes” continuassem a agir: é o estado anterior às referidas ações que permite a implantação de meios coercitivos cada vez mais incisivos na privacidade e nas liberdades das pessoas.

A comparação que faço da Rússia das décadas de 1920 até a de 50 com o Brasil, é que ao passo que lá o “problema” anterior se lastreava na fome e na miséria, o nosso se refere explicitamente à crise e ao caos criminal, insuflado principalmente pela sensação de impunidade; a decorrência, como disse Rand, é que o povo não consegue pensar em mais “nada”.

Com essa “preocupação”, as pessoas estão sempre com medo de que algo aconteça, sempre agindo e pensando em estado de alerta, o que faz com que gastem bem mais tempo preocupados apenas em resguardar suas vidas e deixem de buscar outras coisas – principalmente o desenvolvimento intelectual e cultural. Evidente também, que o próprio “sistema” dominante atua contribuindo para esse estado letárgico e apático do povo, jogando-o num redemoinho constante de desastres e informações desnecessárias; é como se para todos os lados que olhássemos, víssemos apenas desespero e loucura. Aqui, cabe a frase belíssima do professor Olavo de Carvalho:

“Tudo em volta induz à loucura, ao infantilismo, à exasperação imaginativa. Contra isso o estudo não basta. Tomem consciência da infecção moral e lutem, lutem, lutem pelo seu equilíbrio, pela sua maturidade, pela sua lucidez. Tenham a normalidade, a sanidade, a centralidade da psique como um ideal. Prometam a vocês mesmos ser personalidades fortes, bem estruturadas, serenas no meio da tempestade, prontas a vencer todos os obstáculos com a ajuda de Deus e de mais ninguém. Prometam SER e não apenas pedir, obter, sentir e desfrutar.”

Nosso maior e mais difícil desafio, porém não impossível, é fazer de tudo para sair do comodismo de seguir a moda e ser “apenas” mais um alienado à realidade que nos envolve. A sociedade que busca esse fim como ideal, se afasta cada vez mais de tiranias e totalitarismos, como esses – nazismo, fascismo e comunismo – que aconteceram há tão pouco tempo na nossa História. 

Arquipélago Gulag, Aleksandr Soljenítsyn.   


*Este conteúdo é de responsabilidade do autor e não representa, necessariamente, a opinião do Diário de Uberlândia.
 
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