Diário de Uberlândia | jornal impresso e online Publicidade 1140x90
28/10/2023 às 08h00min - Atualizada em 28/10/2023 às 08h00min

Arquipélago Gulag

EDMAR PAZ JÚNIOR
Foto: Reprodução/Internet
Aleksandr Soljenítsyn era um soldado russo. Ainda, durante a segunda guerra mundial, participou de ações importantes como comandante de uma companhia de artilharia do Exército soviético, obtendo a patente de capitão e sendo condecorado por duas vezes. Nascido no ano de 1918, estudou Matemática na universidade Estatal de Rostov, e ao mesmo tempo, por correspondência, no Instituto de Filosofia, Literatura e História de Moscovo. Quase no final da segunda grande guerra, ao trocar cartas com um amigo, o escritor criticou uma decisão tomada por Stálin: de modo bem simples, foi como se Soljenítsyn dissesse que o “líder supremo” deveria atacar pelo flanco esquerdo, e não pelo lado direito.

Foi acusado e preso pelo crime de propaganda anti-soviética e de fundar uma “organização hostil”, sendo condenado à pena de oito anos de trabalhos forçados; isso na década de 1940. Ou seja, o pessoal que acredita que a escravidão é racial ou que ficou no “passado”, simplesmente desconsidera esses fatos, seja, na maior parte das vezes, por ignorância, ou, quando obtém vantagens por não falar sobre esses assuntos, por mau caratismo mesmo. Porém, tens aí um bom exemplo de como são propagadas narrativas irreais. 

É interessante notar como que, após sua prisão, Soljenítsyn teve como um véu arrancado dos seus olhos e enxergado a fria realidade: a de que estava realmente vivendo um regime totalitário. Como disse Milton Mayer, “você não percebe que está numa ditadura até que ela lhe bata à porta”.

O Professor José Monir Nasser explica em sua aula sobre o livro de Viktor Frankl, em Busca de Sentido, a diferença entre uma ditadura autoritária e outra totalitária. De maneira bem simplória, ambas são formas de governo que buscam restringir as liberdades individuais e controlar a sociedade e, enquanto o autoritarismo permite certas liberdades, o totalitarismo procura o controle de todos os aspectos da vida das pessoas, inclusive mental e psicológico: quando você controla a mente dos indivíduos faz com que eles façam as coisas que você deseja sem que seja necessário que os obrigue a fazer isso.

O domínio da mente dos indivíduos tem esse condão, de permitir que as mais absurdas teses e ideias sejam propagadas sem que aqueles que a estão recebendo façam um juízo de valor calcado na realidade. Todas as vezes que dizemos nessa coluna sobre a importância dos estudos e a aprender a ter uma melhor percepção da realidade, é justamente para que não caiamos em determinadas ideias incondizentes com o real e as tomemos desde logo por irrealizáveis. 

Um bom exemplo (mau, na verdade) foi justamente quando a propaganda nazista incutiu na mente dos alemães que os judeus não eram “gente”, começando a narrativa dizendo que eles eram incapazes de sentir e expressar emoções e sensações humanas, além de que eram a causa de várias doenças que assolavam o país na época. É um tanto quanto assustador – pelos tempos atuais, mas não pela ideologia que defende – que um presidente tenha dito que seus adversários e apoiadores parecem “animais”, tentando justificar, assim, a prisão deles apenas por não concordarem com seu posicionamento político.

O que aconteceu com Soljenítsyn foi, na verdade, uma percepção forçada dessa realidade que estava à sua volta. Antes, integrante do sistema, era imperceptível para ele as atrocidades que aconteciam, exatamente porque não as sofria. Quando teve seu primeiro contato com a prisão, foi desnudado, e a partir de então, surgiu um mundo completamente diferente do que aquele que acreditava estar trabalhando para propagar um “bem social” contra o “imperialismo americano”, um regime “desalmado” que busca apenas explorar as pessoas e os trabalhadores. Foi, por assim dizer, o mesmo “choque” que Bezmenov conta no seu livro, Subversão, quando se deparou com os nomes de seus amigos numa lista do serviço secreto russo para execução. Os que eram favoráveis ou que propagavam ideias, mesmo que sem o saber, a favor do socialismo, eram preservados; aqueles contrários, e que disseminavam ideias distintas, eliminados. Literalmente. É o caso de Soljenítsyn. Pelo simples fato de questionar a autoridade, não importando se sua tática de guerra fosse melhor ou não, era voz contrária e precisava ser calada: “como assim ousa discordar do “supremo”?

Ao ter sofrido, ele mesmo, e principalmente, ter contato com outras centenas de casos, enxergou o que realmente acontecia na antiga URSS: uma verdadeira cortina de ferro, não somente perante a comunidade internacional, mas primordialmente e bem mais acentuada para com seus próprios cidadãos, seu próprio povo. Nos próximos textos quero contar algumas das inacreditáveis atrocidades que o escritor russo narra em sua obra.


Arquipélago Gulag, Aleksandr Soljenítsyn. 



*Este conteúdo é de responsabilidade do autor e não representa, necessariamente, a opinião do Diário de Uberlândia.
Leia Também »
Comentários »
Diário de Uberlândia | jornal impresso e online Publicidade 1140x90