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26/10/2023 às 08h00min - Atualizada em 26/10/2023 às 08h00min

Dor impressa

IVONE ASSIS
Desde a criação da humanidade, a mulher foi edificada para ser companheira do homem, amando e sendo amada igualmente. No entanto, em alguma erupção vulcânica, os miolos do homem foram embaralhados e ele começou a pensar que é dono da mulher. Quanta insanidade! Calma, não são todos, há homens inteligentes, portanto, há exceções, graças a Deus! Há homens cuja gentileza ultrapassa nossa capacidade de poetizar. Isso é tão bonito. Chega a ser Divino. Por outro lado, há quem prefira se enterrar na bestialidade e, infelizmente, esses são maioria.

Outro dia, Mônica Cunha lançou o livro “A janela de frisos azuis: mulheres e suas histórias de transformação” (Uberlândia: S/E, 2023), com uma dúzia de textos-retratos da realidade, cujas anônimas protagonizam a história com suas dores, e feridas, e superações... 

Nesse cenário de pedidos de socorro, deparei-me com o texto de mesmo título “Pedido de socorro”, compondo a janela 42, entre os frisos azuis de Mônica Cunha. Nele temos o relato de uma voz que clamou por ajuda, e o SOS Mulheres conseguiu conduzi-la à compreensão de seu valor humano, fazendo com que ela se auto resgatasse.

Nesse caso, o telefone é um grande aliado da vítima, porque protege seu rosto, fazendo com que aquela anônima encontre forças para desnudar-se ao ato de socorro.

Dia após dia, faixas invisíveis são estampadas em rostos de todas as cores e idades, dizendo: “Eu não aguento mais”. E por mais que a tecnologia ganhe corpo e as leis se engordem, o agressor não se intimida. Na semana passada, em um condomínio, em Brasília-DF, um tresloucado de vinte e poucos anos foi até à casa de uma moça que já havia pedido duas medidas protetivas contra ele, ainda assim, ele foi lá, saltou o muro, conforme mostram as câmeras, invadiu a casa, violentou a moça, foi golpeado, evadiu somente com a chegada policial. Ao ser encontrado, mesmo ferido, quis resistir à prisão, mas foi capturado. Observamos que, nenhuma medida tomada foi empecilho para que esse crime não se consumasse. Por mais que se tenha lutado, o homem não parou nem um segundo para refletir em suas desmedidas. Ele estava obcecado em cometer o crime, e o fez.

Em que ponto o ser humano se perdeu? Como é possível um agressor não se retroceder diante de tantos pedidos de socorro, sobretudo quando a vítima não lhe fez mal algum? Que crueldade é essa? Mentes criminosas precisam ser combatidas. Ana Beatriz Barbosa Silva, no capítulo 5 de sua obra “Mentes perigosas: o psicopata mora ao lado” (São Paulo: Globo, 2014), escreve: “A impulsividade apresentada pelos psicopatas visa sempre alcançar prazer, satisfação ou alívio imediato em determinada situação, sem nenhum vestígio de culpa ou arrependimento”. Em seu prefácio, a escritora “Glória Perez”, escreve: “Tem o mérito de tirar o psicopata do terreno do crime, onde o senso comum o confina, para mostrar que a maioria deles não chega ao assassinato, ainda que todos vivam de matar: sonhos, esperanças, a confiança que os outros depositam neles”.

Com base nesse conceito, o estuprador citado é pior que um psicopata, porque teve muito tempo hábil para repensar, para não cometer o crime, para recuar... Mesmo assim, ele não quis ouvir a consciência.

Nas janelas “de frisos azuis”, Mônica Cunha apresenta casos ocorridos durante a pandemia da Covid-19, período em que a violência doméstica aumentou assustadoramente. Esse curto recorte nos remete a uma reflexão sobre os “trilhões” de seres humanos (sobretudo mulheres) vítimas de monstros desumanos, ao longo da história. O histórico da humanidade é manchado de sangue e angústia, envelopado por sonhos interrompidos e cravejado por pregos de barbárie.

Enquanto leio páginas de obras como essas citadas, e contemplo a insanidade humana de pessoas frustradas e derrotadas, as quais, em vez de se tratarem, adentram-se em submundos que as remetem ao crime, de página em página, vou observando que ainda há jeito, pois a esperança persiste, mesmo em meio à dor impressa.


*Este conteúdo é de responsabilidade do autor e não representa, necessariamente, a opinião do Diário de Uberlândia.
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