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14/10/2023 às 08h00min - Atualizada em 14/10/2023 às 08h00min

Sobre a Brevidade da Vida – Parte III

EDMAR PAZ JÚNIOR
Nesta última parte, ainda tratando sobre a obra de Sêneca, esse “trunfo” que podemos conquistar – a Sabedoria – requer algumas lutas, mas, como diz filósofo, é bem menos oneroso do que aparenta. “É pelo plano que se vai para o alto? Mas nem é realmente tão íngreme quanto acham alguns. Somente a primeira parte tem pedras e rochedos e parece intransitável. Tal como, para quem olha de longe, a maioria dos lugares costuma parecer inacessível e de aspecto homogêneo, dado que a distância engana os olhos, depois, chegando mais perto, aquelas mesmas áreas que a ilusão dos olhos compactara em uma coisa única se abrem pouco a pouco, e então se torna suave o declive daquelas elevações que à distância aparentavam ser precipícios.”

Para além disso, e como espécie de “lugar seguro”, esse conhecimento que vamos pouco a pouco adquirindo torna-se nosso maior tesouro, nossa riqueza, e que não pode jamais ser tomada de nós. O filósofo conta a seguinte história: “Demétrio, cognominado Poliorceta, havia tomado Mégara. O filósofo Estilbão, interrogado por ele se havia sofrido alguma perda, respondeu: ‘nenhuma, tudo o que é meu tenho comigo’. Mas seu patrimônio havia se convertido em despojo de guerra, suas filhas o inimigo havia arrebatado, sua pátria havia caído em domínio alheio, e um rei, circundando pelas armas do exército vitorioso, interrogava-o de um assento elevado. Ele, no entanto, arrancou-lhe a vitória e atestou que estava não só invicto, como indene, pois tinha consigo os verdadeiros bens, sobre os quais não se pode lançar as mãos, e aqueles, dissipados e saqueados, que estavam sendo levados, não os julgava seus, mas exteriores e resultantes de desejo da fortuna. Por isso, não os apreciava como bens próprios. Realmente, é instável e incerta a posse de tudo quanto nos vem de fora. (...)Mas aparece esse homem diante de todos nós para dizer: ‘não há motivo para duvidares de que alguém, nascido como homem, possa elevar-se acima da condição humana, de que olhe com serenidade para as dores, os danos, as ulcerações, as feridas, os grandes tumultos que fervilham em torno de si, e suporte as situações duras com placidez e as situações prósperas com comedimento, sem ceder àquelas, nem confiar nestas, e possa manter-se exatamente o mesmo em situações diversas, nem considere nada como seu, exceto a si mesmo, e a si mesmo como a parte em que é melhor.”

Aqui está um conceito implícito do que realmente é liberdade: o de não poder ser subjugado por nenhuma força exterior. Aprender a observar as situações que nos acontecem de uma posição mais distante, permite uma melhor compreensão da temporalidade de nossa existência: é bem mais importante cuidar de quem somos por dentro, de nossa alma, do que se preocupar com externalidades e bens materiais. “(...)e se sabemos que a morte não é um mal, e por isso nem mesmo a injúria, muito mais facilmente toleraremos outras vicissitudes – danos e sofrimentos, humilhações, desterros, lutos, separações”.

Nesse sentido, o cristianismo se torna quase como uma incorporação perfeita dessas ideias, ou melhor, esses ensinamentos são a materialização que provém de uma única origem. Como os raios refletidos pelo Sol, que tem sua fonte de um lugar específico, Cristo veio para dar plenitude à essa Sabedoria. Por isso a Igreja sempre foi o oponente mais perigoso para o modernismo: por conta de seu desprendimento intrínseco. Assim, esse é também um dos grandes motivos, se não o principal, do porquê o Cristianismo torna-se, ainda, um empecilho aos poderosos e aqueles que aspiram ao poder, que é justamente pelo fator não negocial, pelo desprendimento material, a impossibilidade de nos corromper com suas maiores riquezas – sempre materiais, ou quando não, em decorrência delas –, mas que para nós não passam de pó.

Esta carta que Sêneca escreve, tratando sobre a firmeza do sábio, se mostra uma excelente reflexão sobre quais as dificuldades inerentes à essa busca pela Sabedora, pelos fundamentos que permitem ordenar nossos valores, mas que, após percorrido um determinado período de “prova”, proporciona a possibilidade de nos manter e sustentarmos firmes diante das intempéries que nos acontecem.

Sobre a Brevidade da Vida, Sêneca.



*Este conteúdo é de responsabilidade do autor e não representa, necessariamente, a opinião do Diário de Uberlândia.
 
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