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07/10/2023 às 08h00min - Atualizada em 07/10/2023 às 08h00min

Sobre a Brevidade da Vida – Parte II

EDMAR PAZ JÚNIOR
Foto: Reprodução/Internet
Interessante como uma obra tão pequena, em tamanho, possa nos enriquecer com tantos ensinamentos – há tanto tempo escrita, e ainda assim insistimos em tentar fazer diferente, mesmo com essas lições já tendo sido provadas, pelo tempo, que funcionam. Quando Sêneca diz que o “ócio sem estudos é a morte e a sepultura de um homem em vida”, me recordo de como Sertillanges escreve dizendo que, mesmo nos nossos momentos de “folga”, devemos direcionar esse “ócio” para algo que mais tarde nos renda frutos no nosso trabalho. Leonardo Da Vinci talvez seja um dos maiores exemplos dessa “procrastinação ativa”: no espaço de tempo em que o pintor demorou para produzir a obra da Monalisa – alguns dizem que começou em 1503 e quando morreu, em 1519, ainda fazia retoques nela –, talvez uma das mais famosas da humanidade, ele não ficou “atoa”, mas buscando o aprimoramento de outras técnicas, como por exemplo a sobreposição de luzes, que foram determinantes para a beleza da obra. Se nós absorvemos tudo o que vemos, mesmo que inconscientemente – eis a importância da Beleza! – não há de ser diferente nos nossos momentos de descanso: como minha filha de sete anos disse, “Pai, enquanto estou dormindo, estou sonhando, então significa que meu cérebro não para de pensar”. 

Ainda dentro desta obra de Sêneca, na sua segunda parte, o filósofo trata acerca da firmeza do sábio e sobre os desafios que permeiam seus caminhos. Veja, para se buscar a sabedoria, não é necessário que leiamos milhares de livros, mas sim, em certa medida, que tenhamos contato com obras – pinturas, músicas, filmes e livros – que representem e traduzam o que há de melhor na humanidade: a busca pelo que é Bom, Belo e Verdadeiro. 

Gosto de uma crônica do Gustavo Corção, em que ele comenta sobre sua releitura de Crime e Castigo, de Dostoiévski, e chega à seguinte conclusão: “Essa leitura me trouxe a convicção melancólica de que estamos vivendo uma depressão histórica. O mundo inteiro está passando por uma laminação, de mediocrização, de perseguição de um conforto elementar e não creio ser possível em algum lugar deste mundo de hoje alguém escrever um livro como este e outros de Dostoiévski. Quem sabe não seria melhor, mais higiênico, mais decente, calarmo-nos durante um milênio? Há livros demais. Creio que mil anos seria pouco para que toda a humanidade alfabetizada relesse devagar, quatro ou cinco vezes, os livros merecedores de tal atenção. Por que essa sofreguidão de atos sucessivos, de leituras sucessivas? Por que essa correria? Por que não recupera a humanidade a cadência própria? As editoras se multiplicam, os autores se improvisam, o crepitar da máquina de escrever substituiu o compassado curso da pena no papel. E o resultado dessa atividade febril é a produção de dez mil livros, cem mil livros que não fariam falta nenhuma ao Céu, à terra, às almas dos homens, se acaso não fossem escritos. Há em tudo isso uma estranha contradição: de um lado, a produção gigantesca, a montanha de livros que pediria vidas largamente acampadas no presente; de outro lado, a correria. Se queremos correr, por que nos sobrecarregamos de tamanho bagaço?” Veja, não se trata tanto de sobre “quanto” lemos, mas sim, bem mais, sobre “o que” buscamos. 

Essas provações que Sêneca alude, e que inclusive estão contidas também no livro bíblico de Eclesiástico, escrito entre 190 a.c e 124 a.c, ou seja, bem antes desses ensinamentos do filósofo, prova, a meu ver, que a Verdade sempre irradia da mesma fonte, mesmo que por variados meios. Em Eclesiástico capítulo 4, versículo 11, está escrito: “A Sabedoria eleva os seus filhos e cuida dos que a procuram”, e ainda, do versículo 17 em diante, “pois, primeiro, caminhará com ele (a Sabedoria) em sentido inteiramente contrário e lhe incutirá temor e tremor, e o provará com sua disciplina até que confie nela e ela o tente com suas exigências”.

Em Sêneca há uma espécie de complemento: “Não é invulnerável algo que não recebe um golpe, mas aquilo que não sofre ferimento. (...)E eu direi que é um homem forte aquele que as guerras não subjugam, nem o apavoram as forças inimigas que se aproximam, e não aquele que desfruta do ócio sedentário no seio dos povos inativos.” 

Primeiro, há a ideia das dificuldades que surgem com a decisão de tentar ser um pouco mais sábio; depois, as recompensas de se tê-la: a firmeza de enfrentar e conseguir sair de determinadas situações embaraçosas e, principalmente, saber evitar a maioria dos conflitos inerentes à convivência humana.

Veja, o intuito aqui não é o de promover um “conflito” entre os ensinamentos, ou levantar polêmica sobre quem está certo ou não, mas para revelar que existe algo de substancial por baixo de ambos os escritos: o de que a Sabedoria está ao nosso alcance. Termino essa explicação na próxima coluna. Até lá. 

Sobre a Brevidade da Vida, Sêneca.

 
 
*Este conteúdo é de responsabilidade do autor e não representa, necessariamente, a opinião do Diário de Uberlândia.
 
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