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05/10/2023 às 08h00min - Atualizada em 05/10/2023 às 08h00min

A maior beleza se chama felicidade

IVONE ASSIS
Nesta semana, em conversa com a mamãe, falávamos sobre o descontentamento humano com seus corpos, sobretudo seus narizes, e o quanto isso tem lotado os consultórios de cirurgiões plásticos e pseudo cirurgiões. As pessoas investem alto na cirurgia estética, e muitas vezes, no afã pelo diferente, esquecem-se de observar a qualidade e a legalidade clínica. Muitos viajam para países estrangeiros em busca de procedimentos estéticos. A Turquia é uma dessas rotas onde as pessoas procuram não só pela cirurgia plástica, mas, também, pelo transplante capilar. Apesar de, todos os dias, os noticiários apresentarem relatos de algum efeito contrário em procedimentos cirúrgicos, a procura não diminui. É como se houvesse uma alta de baixa autoestima. Houve um tempo em que se faziam desenhos e bonecas à imagem das pessoas, agora isso foi invertido e o que se tem visto é uma “fabricação de pessoas” à imagem de desenhos e bonecas. A que ponto de degradação valorativa chegamos?

Parafraseando o livro de Marcos 8.36, onde está escrito: “Que adianta ao homem ganhar o mundo inteiro e perder a sua alma?”, pergunto: “Que adianta estar bonito para o mundo inteiro, mas perder a sua saúde?” Mais que investir em procedimentos estéticos, é necessário que se invista em restauração psicológica. Têm-se, de um lado, um sem-número de pessoas que andam sem coragem de exercer o amor-próprio; do outro lado está outra imensidão sem amor ao próximo, que, por causa do dinheiro, colocam em risco a vida de qualquer um, porque seus “clientes” são apenas meios para se alcançar as cifras.

Sem dúvidas, há milhões de profissionais que merecem todo o respeito e admiração, estes são o trigo; no entanto, o joio continua a crescer ao seu lado. O dinheiro e a beleza só têm serventia se tivermos alegria e saúde. Eu nasci, como escreveu Cora Coralina, uma “menina feia”, logo entendi que eu tinha um tesouro, e isso deve ser sorte, pois “a beleza se acaba rapidamente, enquanto a feiura só aumenta”.

Brincadeiras à parte, tudo isso me fez lembrar um livro antigo de Walcyr Carrasco, cujo título é “O menino narigudo” (1993), uma publicação da Moderna, da Coleção Veredas. Aliás, este livro tem uma dedicatória muito lindinha que diz: “Aos poetas, que tornam o mundo mais bonito”. Trata-se de um livro que nos faz pensar em muitos assuntos e possibilidades, mas nesta curta referência, vou me ater ao segundo capítulo, em que o autor brinca, inclusive, com a palavra “beldade”, dizendo que aquela é uma palavra antiga, até fora de uso, mas, e daí? “[...] as palavras estão aí pra isso mesmo: pra gente pegar e usar”. Cirano, o protagonista, se acha indigno de uma paixão porque ela não haveria de perder seu tempo com alguém que só tinha nariz. Carrasco escreve: “Ah, que vontade de poder tirar do rosto e botar no bolso! Mas os narizes não são como chiclete, que a gente tira da boca, faz bolinha e esconde”. Afinal, não se esconde um nariz! Cirano se questiona: “Será que um nariz é tão importante?”. Ao se conferir no espelho, sente que “o nariz mal cabia no espelho”, e conclui: “Sou feio demais!”, atribuindo a feiura ao corpo todo. Cirano “Tinha lido uma reportagem sobre cirurgia plástica numa revista. Diminuir o nariz até que seria muito simples. Sabia de gente que fazia coisa muito mais difícil, como esticar o rosto para parecer mais nova”. Então disse à mãe que gostaria de ir ao médico para diminuir seu nariz. A mãe, com todo o amor do mundo, riu-se e disse a Cirano que aquilo era normal, pois ele estava crescendo. Ele replicou “mas meu nariz está crescendo mais depressa do que o resto do corpo!”. Vendo sua angústia, a mãe lhe explicou que “O corpo tem suas próprias proporções”, e querer mudá-lo, “acreditando num ideal de beleza”, poderá ser desastroso. “Beleza é coisa relativa, filho. Muitas vezes um nariz grande dá um charme danado”, assegurando-lhe que em um relacionamento o que importa é a beleza da alma e não a do corpo. Ora, a maior beleza se chama felicidade.

*Este conteúdo é de responsabilidade do autor e não representa, necessariamente, a opinião do Diário de Uberlândia.
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