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30/09/2023 às 08h00min - Atualizada em 30/09/2023 às 08h00min

Sobre a Brevidade da Vida – Parte I

EDMAR PAZ JÚNIOR
Foto: Reprodução/Internet
Você em algum momento já parou para pensar e refletir sobre qual é o seu bem mais valioso? É preciso diferenciar também, antes, o que significa valor e preço. Este se refere à uma quantidade de dinheiro que despendemos para adquirir algo, seja um bem material ou alguma prestação de serviço; assim, por exemplo, um encanador presta uma espécie de serviço, de manutenção ou reparo, ao passo que um carro representa o bem material adquirido por determinada quantia de dinheiro.

Já o valor remete à ideia, não apenas sobre o que sentimos em relação a algo que nos pertence ou sobre quem convive conosco, mas uma verdadeira hierarquia de importância, em certa medida, talvez até mesmo objetiva sobre essas mesmas coisas. Gosto muito de uma frase do Padre Paulo Ricardo, quando diz que “não estudamos para nos tornar ‘inteligentinhos’, mas para não nos tornarmos demônios, para aprender a ordenar valores”. Há muitas coisas que devem ser colocadas acima do dinheiro e do status social.

A partir dessas ideias temos uma conclusão lógica: algumas coisas valem infinitamente mais que outras. Uso como exemplo, um argumento repetido de forma automática, muitas vezes sem passar pelo crivo do raciocínio lógico que todos temos condições de realizar, de que filho dá “gasto”. Ora, filhos não têm preço; possuem valor. Há uma diferença abissal entre essas duas ideias, e quando colocamos o dinheiro acima do seu devido lugar nessa hierarquia de valores, provocamos uma imensa desordem, a princípio superficial e inofensiva, mas que com o passar do tempo e acomodação nessas situações, acarreta graves sequelas e desvios no nosso caráter e em nossas ações. Afinal, como pretendo “salvar o mundo” se só consigo pensar no meu próprio umbigo? Jordan Peterson, além de ensinar que se deve arrumar a cama antes de tentar salvar o mundo, diz que “se você pensa que um homem ruim é mal, espere até ver do que um homem fraco é capaz”. Ser forte significa sustentar nossos valores mesmo diante de situações que não levamos vantagens, aprendendo a hierarquizar os valores na ordem correta. 

Agora repito a pergunta do primeiro parágrafo: você sabe qual é o seu bem mais valioso? Evidente que de imediato pode-se pensar em “nossa vida”; contudo, nessas circunstâncias que desenvolvi, acredito que a “vida” seja uma espécie de supra princípio, um valor que está acima da própria ordem de valores, como se fosse o quadro em que escrevemos nossa ”lista”: só há possibilidade de ordenar tais prioridades se houver vida. Assim, nesse caso, a vida não é o nosso bem mais valioso, pois dela é que decorrem os outros valores.

Poderíamos elencar, então, os filhos nesse primeiro lugar, afinal, defendi que os filhos não têm preço, mas sim valor. Contudo, e aqueles que não podem ter filhos, como ficariam nessa lista? E as pessoas que amamos, pais, irmãos, cônjuges, são eles nossos bens mais valiosos? Classificar essas pessoas como bens, na verdade, faz com que entremos, da mesma forma que a desordenação dos valores, na espiral de decadência moral, quando recompensamos com preço o que se deveria ser agraciado com valor.

Então, a ideia não é tanto quem ou o que está nessa lista, mas como demonstramos o que é importante para nós. Evidente que esse grupo de pessoas se encontram nas primeiras posições de nossas prioridades, mas como reconhecemos sua importância? Através de bens materiais? De dinheiro? Se os colocamos como prioridades, doamos o que mais vale para nós, e aqui está a resposta para a pergunta principal: nosso bem mais valioso é o Tempo.

O professor Olavo propõe em seu Seminário de Filosofia, uma reflexão chamada “Exercício Necrológico”, na qual somos convidados a imaginar a seguinte situação: suponha que após a nossa morte, dois amigos muito próximos a nós, que saibam de praticamente toda a nossa jornada, conversem entre eles, através de uma carta, falando sobre aquilo que nos tornamos – veja, é sobre o que somos e não sobre os bens que conquistamos! Essa carta é o que esperamos que nos tornemos no futuro, aquilo que desejamos ser, e é importante que saibamos expressar esse desejo. No final, nossa vida vale o que lutamos para nos tornar, aquilo que investimos tempo e forças.

Vou tentar, com poucas frases do próprio Sêneca, mostrar como nosso Tempo é, de fato, o bem mais valioso que dispomos!

“Ora, é fácil gerir aquilo que, apesar de exíguo, é certo; com mais cuidado então se deve conservar o que não se sabe quando irá faltar”. Nossa existência é um sopro.

“Quanto é tardio começar a viver só quando é hora de terminar! Que estúpido esquecimento da condição mortal adiar para os cinquenta e os sessenta anos as decisões sensatas, e então querer começar a vida num ponto até o qual poucos chegaram!”.

“Repito, faz um balanço e confere os dias de tua vida: verás que te sobraram bem poucos e residuais. Há quem, depois de obter a magistratura que cobiçara, anseia por deixá-la, logo dizendo: ‘quando é que vai acabar esse ano?’. Outro patrocina os espetáculos públicos, que ele muito apreciou lhe terem sido sorteados, e então indaga: ‘quando me livrarei disso?’. (...) Cada um apressa sua vida e sofre a ânsia do futuro e o tédio do presente”. Essa é uma das consequências por não sabermos realmente o que desejamos, o que aspiramos e qual o nosso propósito, fazendo com que acabemos por viver vidas desejadas pelos outros e não por nós; desejamos que o tempo passe logo para depois desejá-lo de volta.

“Eu gostaria de abordar uma pessoa dentre as mais idosas da seguinte maneira: ‘vemos que tu chegaste a um estágio avançado da vida humana, pesam-te nas costas cem anos ou mais. Vamos, faz o cômputo de tua existência: calcula quanto desse tempo um credor, quanto uma amante, quanto um rei, quanto um cliente te subtraiu, quanto uma desavença conjugal, quando o castigo dos escravos, quanto o obrigatório do ir e vir pela cidade; acrescenta as doenças que nos causamos por nós mesmos, acrescenta também o tempo que se perdeu sem uso: verás que tu tens bem menos anos que enumeras. Repassa na memória, quando é que estiveste seguro de uma decisão tua, quão poucos dias decorreram tal como havias planejado, em que momento estiveste disponível para ti, quando tua face manteve a expressão normal, quando tua alma se manteve impassível, que obra realizaste em uma vida tão longa, quantas pessoas saquearam tua vida sem que tu percebesses o que perdias, quanto te subtraiu uma tristeza inútil, uma alegria tola, uma cupidez voraz, uma conversa fútil, quão pouco te foi deixado do que era teu. Compreenderás que estavas morrendo prematuramente.”

Sobre a Brevidade da Vida, Sêneca.
 
*Este conteúdo é de responsabilidade do autor e não representa, necessariamente, a opinião do Diário de Uberlândia.

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