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28/09/2023 às 08h00min - Atualizada em 28/09/2023 às 08h00min

Seus sonhos

IVONE ASSIS
“Nada lhes é mais próprio que seus sonhos!” Deparei-me com essa instigante frase na obra Aurora (Morgenröthe), de Friedrich Nietzsche, a qual apresenta uma filosofia, possivelmente, transitória, e ainda pouco explorada no meio acadêmico. Em Aurora, Nietzsche dá início a quadro teórico que, mais tarde, lhe servirá de ferramentas próprias para a consolidação de sua filosofia. Daí a justificativa para a classificação “transitória” mencionada. Se aurora é um despontar do dia, em Nietzsche, Aurora é um despontar filosófico. 

Contudo, não vou me ater a uma análise filosófica da Aurora, nem sequer tenho competência para tal, especialmente quando se trata de abordagens voltadas para o estudo do preconceito moral, sobretudo quando nos esbarramos em egos tão inflamados, quando o assunto envolve “valor” e “moral”. Eu e Nietzsche temos opiniões diferentes quando se trata da fé, mas isso não me impede de o admirar como filósofo, a partir de sua literatura. Nesse caso, não questiono a pretensão filosófica de desprendimento e desconstrução impregnada por Nietzsche, em Aurora. A raça humana se reconstrói a casa momento, e é essa diversidade que faz brotar a expectativa, a superação, a construção, a decisão, a valoração e outros, sintomas, estes, inerentes ao ser humano.

É comum atribuirmos a culpa por nossas fraquezas, erros e fracassos a uma ou outra condição de (in)conformidade com esse ou aquele conceito, como se, pelo fato de vivermos condicionados à obediência moral como lei superior, qualquer tropeço fosse dessa condição e não daquela que a acata ou não. Contudo, não há dúvidas de que não se trata de cultura, mas, sim, de comportamento humano. A conduta é o freio e o acelerador das ações humanas, e atribuir os fracassos à cultura e o sucesso à “ciência solitária” (ou razão) é um erro clássico, e aclamado. Não precisamos nem nos esforçar em pensamento para saber que os resultados são consequências das ações, e isso é individual. Nietzsche busca desvincular os preconceitos morais dos filósofos, bem como tenta mostrar que o mundo da significação moral se esbarra em atribuições difíceis, em se tratando de cada qual assumir suas responsabilidades. A razão mora onde a desrazão não tem vez.

Por isso, independentemente dos conceitos e ou preconceitos atribuídos à Aurora, seja quanto à moral ou à eticidade, principalmente atrelados à minha interpretação, que não passa de uma leitura desavisada, compreendo que o autor não estava preocupado em criar verbetes, nem aplicar receitas, e sim, estava questionando o sujeito em si, uma vez que é intrínseco viver, cada qual, suas consequências e responsabilidades.

Se Aurora é vista como filosofia transitória, vale lembrar que tudo nesta vida é passível de mutação, ou interpretação. Talvez, por isso, seja importante não vetar uma condição em detrimento de outra, mas, sim, estudar cada qual isoladamente, e fazer uso do que é bom e descarte do que não for bom. Afinal, é por meio do adestramento interior que nos moldamos ao meio social que escolhemos. A dimensão psicológica dessas escolhas é relativa e, por certo, reflete nas ações advindas dos impulsos, dos instintos, das relações e afins. Para Nietzsche, “nossos juízos morais e valorações são apenas imagens e fantasias baseadas em processos fisiológicos por nós desconhecidos”, mas, para mim, parafraseando o filósofo, “nossos juízos morais e valorações são imagens baseadas em processos fisiológicos, a que chamamos de escolhas e atitudes”.

Como escreveu Nietzsche, “Nada lhes é mais próprio que seus sonhos! Nada é mais sua obra!” (Editora Escala, p. 124). Desse modo, creio ser possível, metaforicamente falando, que Tristeza e Felicidade se sentem à mesma mesa para um café e, em diálogo franco, ambas vejam o valor de si e da outra.


*Este conteúdo é de responsabilidade do autor e não representa, necessariamente, a opinião do Diário de Uberlândia.
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