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16/09/2023 às 08h00min - Atualizada em 16/09/2023 às 08h00min

Confissões – Parte III

EDMAR PAZ JÚNIOR
Foto: Reprodução/Internet
Já reafirmei, mais de uma vez, como não concordo com a forma como alguns autores, pensadores e filósofos “modernos” tentam contar ou interpretar fatos que ocorreram, muitas vezes há séculos, com os olhos da “atualidade”. Corre-se assim o risco de perder o que evidentemente o fato transmitiu em um determinado momento histórico, apenas para que seja favorável ou não a determinada narrativa.

Uma dessas ideias versa sobre como a Igreja Católica se tornou “política”, uma espécie de manipuladora das massas, que visa sempre a consecução de um fim, em detrimento de um meio, ou seja, que busca algo que ela mesma nega em sua origem: o domínio do homem. Ora, nada mais sem correspondência com a realidade do que essa concepção sobre a Igreja, uma vez que – como já falado nessa coluna, quando comentei sobre os livros de Chesterton – o cristianismo surgiu em meio à um panteão de deuses do Império Romano, com a Verdade de um só Deus; e que, se em um momento ou outro coincidiu com o poder de um determinado monarca ou reinado, a sua “briga” principal foi e é a de que o Reino de Deus não é daqui, e de que nada ou ninguém pode preencher a alma cristã, além de Jesus Cristo. 

Então, como o Catolicismo, a Fé, é um poder político se tudo o que ela prega não servem aos meios políticos? Como dizer que é um manipulador das massas, se prega exatamente o desprendimento dos bens materiais, justamente o que poderia “comprar” apoio? Quem não é “comprável” é incorruptível. Eis o ponto. Eis o perigo para aqueles que efetivamente buscam dominar as pessoas e usam a Igreja como espantalho de alvo, acusando-a do que fazem e chamando-a do que são.

Os “neopensadores” tentam reduzir a Igreja ao que eles conseguem enxergar hoje, um mundo politizado, dividido entre dois lados; essa é a visão deles. A forma como o Cristão vê o mundo é diametralmente distinta, na medida em que observa os acontecimentos de maneira particularizada: há indivíduos, há pequenas histórias e há micro milagres o tempo todo. Não dependemos dos bens materiais para sobreviver, mas os usamos; não estamos adstritos à alimentação, mas, como diz Santo Agostinho, a usamos como remédio para a “doença” do corpo – é preciso ter equilíbrio, distinguir entre saciedade e gula. É a Igreja, que prega esse desprendimento absoluto do mundo, inclusive através da modéstia dos alimentos e modos, que realmente ressalta a grandeza do homem, principalmente pelo reconhecimento de suas limitações reais, o que faz com que haja um crescimento em sua humanidade. Só conseguimos nos desenvolver – em qualquer área – quando sabemos o que nos falta.

Não pretendo seguir os passos dos neopensadores e dizer que Santo Agostinho pregava, desde já, também um desprendimento político, ou que o mundo não deveria ser bipartido, até porque esse é um conceito que ficou bem mais evidente pós Revolução Francesa, com o parlamento dividido em dois lados muito fortes – de um lado os progressistas e de outro os conservadores (mesmo esses termos, ainda, bem crus de conteúdo ideológico como vemos hoje).

O que o Santo faz, é “inaugurar” a doutrina escrita da Igreja Católica, investigando algo que vai muito além do mero desprendimento material: é o princípio basilar, a pedra fundamental dessa imensa construção que não cessa nunca de crescer: uma lacuna na alma, uma lembrança, uma memória que, como diz o Bispo, mesmo não lembrando exatamente o que é, sabemos que não lembramos porque percebemos que está faltando algo. “Não esquecemos ainda inteiramente aquilo que lembramos ter esquecido.”

Essa investigação que Santo Agostinho realiza durante seus escritos desaguam de forma natural e esplêndida na ideia de que a nossa busca, que se resume a uma procura por uma “vida feliz”, é uma espécie de “volta para casa”, vez que, conscientes ou não, sentimos essa atração por algo que não encontramos em lugar nenhum aqui. A vida feliz é a verdade: “De fato, pergunto a todos se preferem gozar de uma verdade ou de uma falsidade: tanto não hesitam em dizer que preferem a verdade, quanto não hesitam em dizer que querem ser felizes. Sem dúvida, a vida feliz é o gozo da verdade.” 

Esse capítulo, em certa medida, trata de uma espécie de reflexão que o Doutor da Igreja faz sobre como chegou ao entendimento de que devemos continuar buscando, como passo seguinte à nossa confissão e reconhecimento de nossas falhas, aprimorar e se aproximar da única Verdade que é real: Deus. E afirmo sem medo de errar: é uma fonte inesgotável de conhecimento.

Confissões, Santo Agostinho.


*Este conteúdo é de responsabilidade do autor e não representa, necessariamente, a opinião do Diário de Uberlândia.



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