Diário de Uberlândia | jornal impresso e online Publicidade 1140x90
09/09/2023 às 08h00min - Atualizada em 09/09/2023 às 08h00min

Confissões – Parte II

EDMAR PAZ JÚNIOR
Foto: Reprodução/Internet
Dia 28 de Agosto é celebrado em memória de Santo Agostinho, conhecido também como Bispo de Hipona, cidade em que viveu, na África. Em outra oportunidade, já comentei sobre essa obra, mas de aspecto um pouco mais geral, e acho importante, mesmo que a data já tenha passado, que falemos acerca dela novamente. Hoje, pretendo jogar luz sobre um capítulo específico, desse que é um dos livros mais importantes da história do Ocidente, tanto por “inaugurar” as obras autobiográficas, quanto pelo tratado filosófico que reside em si, descrito pela ideia de confessar os pecados e confessar a grandeza de Deus. É uma verdadeira obra de arte que revela a magnitude de um tratado filosófico e da concepção da doutrina religiosa que o Santo desenvolve ao longo das páginas.

O capítulo X de Confissões, onde o Agostinho relata seu estado após sua conversão, ou seja, descreve como se encontrava naquele momento pós-encontro com a Verdade, é, ainda, de grande importância para nós, que buscamos, como bem ensina São Josemaria Escrivá, a “santidade no cotidiano”.

O Professor Olavo ensina de forma maravilhosa que “muitos imaginam que, por crer no evangelho – ou na Igreja – estão ‘na verdade’. Não estão. Todas as palavras do Evangelho e da doutrina são genéricas. Valem para todas as épocas e lugares, e por isso mesmo não se aplicam automaticamente a nenhuma circunstância particular e concreta da vida presente. Conhecê-las não é conhecer a Verdade, é apenas ter recebido uma ajuda do Céu para conhecê-la. A Verdade só é conhecida como tal quando é a Verdade da realidade e não só a verdade universal da fórmula. Para descobri-la é preciso somar, ao conhecimento das fórmulas doutrinais e bíblicas, o senso intuitivo dos fatos no seu curso histórico atual, os ‘sinais dos tempos’, como dizia o Apóstolo (Mt 16, 3). A ignorância desse ponto faz com que os maiores erros e incompreensões venham acompanhados da autoridade da fé.”

Ora, aqui os ensinamentos do Bispo de Hipona, vão justamente nesse sentido, pois não apenas confessa seus pecados à Deus, e a todos os que decidem lê-lo, como também desenvolve uma filosofia de amor à Deus fundada nos fatos concretos que lhe aconteceram: é a verdadeira adaptação e realização da Verdade Universal para as circunstâncias pormenores de sua vida, que indiretamente se aplica às circunstâncias particulares de alguns indivíduos. O “conhece-te a ti mesmo” é a identificação daquilo que somos e, com esse saber, ordenar nossa vida de acordo com o que aqueles que conseguiram superar as mesmas dificuldades que as nossas, fizeram. 

O Santo diz, então, que buscar a Deus, é sinônimo de buscar uma “vida feliz”. “Mas para tanto é preciso que diga de que maneira a procuro, se pela lembrança, como se a tivesse esquecido e, esquecida, ainda a possuísse, ou pelo desejo de aprender algo desconhecido, porque nunca o conheci ou porque o esqueci tanto que nem lembro que esqueci. A vida feliz não é aquela que todos querem e que não há absolutamente ninguém que não queira? Onde a conheceram, se a querem tanto? Onde a viram para amá-la? É evidente que a conhecemos, de alguma maneira. (...) Não sei de que maneira a aprenderam e por isso a conhecem por não sei que noção, que eu me esforço para entender se está na memória, porque, se está ali, já fomos felizes alguma vez – cada um singularmente ou todos naquele homem que primeiro pecou e no qual todos morremos e do qual todos nascemos infelizes”.

Relembrando São Tomás de Aquino, dizendo que devemos utilizar as “coisas” para seus devidos fins, para aquilo que foram projetadas, ensina que nosso fim último é a razão. A finalidade de uma cadeira é para que as pessoas a usem para se sentar; pode-se até se alimentar nela, mas certamente será uma forma desajeitada. Ou seja, você pode até usá-la para outro fim, mas não estará usufruindo seu potencial máximo. Nós também somos assim: se não utilizamos a razão para ordenar nossos apetites e controlar instintos, como diz Santo Agostinho, não teremos uma vida ordenada, além de propagar desordens que, a despeito de se tratarem até mesmo de pequenos “deslizes”, na somatória final acumulam o excesso que permite a decadência moral, e consequente destruição do homem como máquina perfeita que deve ser almejado.

“Por que não são felizes? Porque estão ocupados mais intensamente em outras coisas, que os tornam mais miseráveis do que os torna felizes aquilo que lembram debilmente.” É o que o próprio Santo diz, quando assegura que a nossa felicidade não é aqui, pois nada no mundo nos completa, e mais, que nos perdemos em futilidades que nos desviam do caminho da reta razão. 

Na obra do Padre Leo J. Trese, A Fé Explicada, ensinando sobre a questão do pecado original, aquele que cometeu Adão, o autor diz que a partir de então, nossa alma permanece com uma espécie “carência”, de algo que deveria estar ali, uma vida sobrenatural a que chamamos de graça santificante. Ao perder essa ligação com Deus – pelo pecado original –, só há uma maneira de religar – significado da palavra Religião – o que foi perdido: uma intermediação. “Mas era preciso que o mediador entre Deus e os homens tivesse algo semelhante a Deus, algo semelhante ao homem, e que não fosse semelhante aos homens ao ponto de ficar longe de Deus, nem semelhante a Deus ao ponto de ficar longe dos homens, porque então não seria um mediador”. Eis a descrição que o Santo faz de Jesus Cristo: homem e Deus. 

Nos próximos textos quero aprofundar um pouco mais nessa jornada de Santo Agostinho, sobre sua investigação e como entendeu que Deus é o caminho da Verdade.

Confissões, Santo Agostinho.


*Este conteúdo é de responsabilidade do autor e não representa, necessariamente, a opinião do Diário de Uberlândia.
 
Leia Também »
Comentários »
Diário de Uberlândia | jornal impresso e online Publicidade 1140x90