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10/08/2023 às 08h00min - Atualizada em 10/08/2023 às 08h00min

Saudade, no amanhã

IVONE ASSIS
Enquanto eu pesquisava sobre saraus e encontros literários, pensando, inclusive, no Sarau Gotas Poéticas que promovi, mensalmente, por 12 anos, tanto em Uberlândia, como em outras cidades, deparei-me com Sabadoyle, considerado como “o último salão literário”. Empolgada, trouxe esta temática ao Ponto de Leitura da rádio, espaço na FM 107,5 no qual promovo literatura semanalmente, igual aqui, na Literato deste conceituadíssimo jornal. Literatura é assunto para todos os espaços, e pessoas, e gostos, e temáticas...

Sabadoyle foi um salão literário inaugurado aos 25/12/1964, na culta Rio de Janeiro, fruto de uma conversa entre Carlos Drummond de Andrade e Plínio Doyle. Nesse mesmo dia, circulava a última edição do periódico “Tribuna do Povo”, de Juazeiro-BA, cujo encerramento de atividades fora motivado por questões políticas, em um tempo em que a Ditadura fazia as regras (mas isso é outro assunto). Dentre os muitos periódicos que mencionavam eventos literários, poemas e outros, deparei-me com a edição b21814, do Correio da Manhã, publicada no domingo de 17/05/1964, à página 3, do Caderno 2.

Aquele periódico fazia alusão a diversos setores da cultura, dentre eles, a música clássica. Trazia valores de Beethoven, a Harmonia de Chopin, as valsas de Brahms, a criação de Mozart e tantos outros grandes nomes, que fazem esse colosso musical tal qual conhecemos. Aquela matéria está assinada pelo crítico e musicólogo carioca Eurico Nogueira França, uma cabeça pensante incrível. 

Logo abaixo vem a matéria “O inoportuno”, uma peça teatral de Harold Pinter, um dramaturgo daquele momento que se transformou em ator, diretor, poeta, roteirista e, que se imortalizou como um dos maiores nomes da dramaturgia do século XX. O artista se foi, mas a sua arte continua em cartaz, montando o espetáculo da história. “O inoportuno” é composta por três personagens: dois irmãos e um suposto mendigo, resgatado de uma briga de bar. O convívio traz à ebulição uma série de conflitos irrigados de interesses e mentiras. Isso desencadeia, entre eles, sentimentos de isolamento e desgosto, aversão e pena, amor e ódio. É um tecer de incomunicabilidade, arrematado com o Teatro do Absurdo e a absurda realidade daquele período ditatorial, que se mantém acesa como o fogo da pira, em um mar de discórdias, calúnias e absurdos humanos.

E falando em incomunicabilidade, a seguir, o leitor se depara com um enunciado em letras garrafais que diz: “O PERIGO DA TV”. Naquela coluna, Làsinha questionava a chegada da TV, assim como acontecem com todas as novidades, porque o ser humano teme o novo. Não se tratava de um repúdio, mas, sim, um convite à reflexão. Abordarei esse assunto posteriormente, quando trouxer mais sobre Làsinha, sobretudo porque meu espaço de hoje já informa que os caracteres se excedem.

O que me chamou a atenção, quando vi aquela matéria assinada por Làsinha Luis Carlos (de Caldas Brito), foi o fato de que, embora cronista e autor de vários livros, como “A Colombo na Vida do Rio” (Rio, 1970); “Prisioneira da Noite” (Fon-fon e Seleta, 1955); “A Terra vai ficando ao longe” (Coleção Aurora. O Cruzeiro, 1957); “Caminho de ninguém” (Martins); “Margem oposta” (Martins, 1960); “Chamas que não aquecem” (O Cruzeiro, 1955); “Heróis da Sombra: os que não viram a história” (Martins, 1957); “Asas Sem Vôo” (O Cruzeiro, 1951); dentre outros, não se tem nada em pesquisas sobre esse grande romancista. A Geografia traz mais sobre Làsinha que a Literatura. Nem mesmo uma Academia que o designou patrono de uma Cadeira disponibiliza sequer uma minibio do autor.

Então, perdoem-me os literatos, mas se não se valoriza a história, a memória se perde. A literatura só subirá ao podium quando, trabalhando em equipe, abrir os horizontes e acender os holofotes a todos os caminhantes. Iniciei esta coluna pensando nos Saraus e fecho-a pensando na memória, porque os saraus (bem como o jornal) é essa maternidade de histórias que nascem todos os dias, para virar saudade, no amanhã.


*Este conteúdo é de responsabilidade do autor e não representa, necessariamente, a opinião do Diário de Uberlândia.
 
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