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29/07/2023 às 08h00min - Atualizada em 29/07/2023 às 08h00min

De Profundis

EDMAR PAZ JUNIOR
Foto: Reprodução/Internet
Revisito Gustavo Corção, e faço-o porque necessito constantemente reafirmar minha Fé. O mundo tenta incessante e diuturnamente desviar nossa atenção do que mais nos importa aqui: amar a Deus. A falsa ilusão de que se manter “informado” é essencial para nosso desenvolvimento intelectual é, contrassenso, fatal para esse mesmo intuito. Ninguém consegue se aprofundar em todos os assuntos possíveis, de modo que faço uma brincadeira, dizendo que “quem tem opinião sobre tudo, não sabe sobre nada”.

Dessa maneira, uma verdade que se sustenta desde a eternidade, mas que se fez carne e reverberou de forma distinta para sempre há dois milênios, deveria ser a principal busca de todos. Mas o mundo é um “desconcerto”, nas palavras de Corção, que desvia os desavisados desse caminho que termina no Oásis. Para os mais atentos, “é esse espetáculo o melhor encaminhamento para uma demonstração da existência de Deus”. Todo esse caos que vivenciamos hoje, na verdade, é a maior demonstração de que devemos acreditar que realmente existe um Céu que nos espera, e seguir o Evangelho se torna o meio mais eficaz de se chegar, não somente a Deus – como objetivo principal –, mas secundariamente, como uma forma de se conviver melhor com os outros.

Recentemente houve uma certa “polêmica” em relação, mais uma vez, às ações realizadas na cracolândia, em São Paulo. Não adentrando ao mérito se se trata da forma mais acertada ou não de tentar salvar aquelas pessoas, muitas críticas foram direcionadas a tais ações, principalmente no que diz respeito à falta de “humanização” no tratamento dispensado aos usuários de drogas que ali estão.

Ora, se uma operação policial que apreende grande quantidade de drogas, realiza a prisão de traficantes e foragidos da justiça, acaba por ser manipulada pela imprensa para moldar a opinião pública, sendo “taxada” como uma coisa ruim, é porque realmente há algo “desconcertado” em nossa sociedade. Aqueles que se dizem ideologicamente à esquerda, alegando serem mais humanistas, não percebem que por trás desse grande incentivo para que “todos” sejam virtuosos – é mesmo desejável que todos sejam mais humanos com o próximo – há inúmeros interesses obscuros: talvez um deles,  seja o que, numa operação em que são presos traficantes, com todas as leis sendo cumpridas, é de se suspeitar, no mínimo, que aqueles por trás do poder de manipular a opinião pública, tenham algum envolvimento. 

A pessoa que acaba caindo na falácia ideológica, e ataca a recente operação por falta de humanização, geralmente é a mesma que defende o aborto como política pública, e clama por um maior acesso às mulheres mais pobre, mas evidentemente não percebe a contradição em suas ideias.

A raiz dessa “hemiplegia moral”, com que Ortega y Gasset caracteriza os espectros ideológicos, tanto de esquerda, quanto de direito, figura claramente na ausência de um princípio basilar que fundamenta e estabiliza nossa vida: os ensinamentos cristãos. Tais ensinamentos, a doutrina católica, se tornam nitidamente coesos quando aplicados aos dois casos citados acima, tanto no resgate dos dependentes químicos, quanto na questão do aborto: somos pró vida. Se para salvar a vida das pessoas que habitam a cracolândia, seja necessária uma intervenção policial, que assim seja; se para salvar a vida do bebê ainda na barriga, há que suportar um imenso fardo, que assim seja. Não se trata de abraçar falsas causas humanistas para agradar meia dúzia de sedentos por caridade midiática.

Salvar os moradores de rua, assim como as vidas uterinas – cujo principal lobby é o de que o corpo da mulher é “dela”, e ela faz o que quer, mesmo que para isso tenha que assassinar uma criança no seu ventre – demanda entender que os argumentos falaciosos não visam o bem dos “defendidos”, mas sim um fim político.

O interessante nesses casos é que, mesmo diante de todas as pancadas e ataques que a Igreja sofre, sendo chamada de retrógrada, anticiência e antievolução, o cristianismo está lá, brilhando como um candelabro inapagável, que ilumina o fim de um caminho de escuridão. Chamam de retrógrados aqueles que desejam ter uma vida simples, baseados mais nas experiências reais, do que nas ficções tecnológicas, que cada vez mais desumaniza as pessoas; acusam de anticiência justamente aqueles que contém em seus genes o DNA dos criadores das universidades, da busca pela verdade e do conhecimento sincero; denunciam como antievolucionistas exatamente os que militam em favor da vida absoluta, que são completamente contra qualquer forma de eugenia – o que na verdade, acabará se tornando a legalização do aborto. “Amar a Deus sobre todas as coisas e de todo o coração; e ao próximo como a ti mesmo”, eis os dois maiores mandamentos de Cristo.

Nessa mistura insana de conceitos e camuflagens de intenções, que afetam principalmente os incautos, Corção surge com sua defesa intransigente da tradição Católica e a leveza de argumentos belíssimos. 

“Olha em volta de ti, alma atribulada e triste. O mundo, com todas as suas montagens, com todos os seus prestígios, tem o ridículo das coisas frágeis que se julgam enormes. Olha em volta de ti, alma cansada, e considera as farsas, as máscaras, os espetáculos, as galas, os príncipes, as cúpulas, os demagogos, os dirigentes em todos os escalões, e os dirigidos, ah! os pobres dirigidos que se extasiam de admiração diante de quem os desfalca, diante de quem os oprime. (...)

‘De profundis clamavi ad te, Domine’ (Das profundezas clamo a ti, Senhor). Das profundezas de nossa aflição e das profundezas de nossa miséria. É nesse momento, em que pelos critérios do mundo estamos mais rebaixados, nesses momentos indescritíveis, intransmissíveis, incomunicáveis, a não ser em gemidos, em imprecações, em frases de dor entrecortadas e sem sentido, é nesse momento de humilhação, de irritação, de quase desespero, que Deus está próximo de nós, descendo pelos degraus que o Cristo carnalmente desceu, tornado opróbrio como ele carnalmente visivelmente se tornou basta para isto um movimento da alma. Um pequeno movimento. Um movimento de pequenez, uma atitude inversa de tudo aquilo que os impérios prestigiam. ‘De profundis clamavi...’. (...)

Considera, e reza. Considera, e imita a loucura do Apóstolo. E basta um movimento, assim como quem se volta, como quem olha para o vulto que está ao seu lado, basta um quase nada para sentir as pancadas do sagrado coração. Na fraqueza é que sou forte! Porque é só na fraqueza que consigo, pouco que seja, silenciar as estridências do amor próprio, e ouvir as pancadas do coração do meu Senhor.”

Melhores Crônicas, Gustavo Corção.



*Este conteúdo é de responsabilidade do autor e não representa, necessariamente, a opinião do Diário de Uberlândia.

 
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