Diário de Uberlândia | jornal impresso e online Publicidade 1140x90
22/07/2023 às 08h00min - Atualizada em 22/07/2023 às 08h00min

Onze Lições sobre a Virtude – Parte II

EDMAR PAZ JUNIOR
Foto: Reprodução/Internet
Continuando o texto da coluna anterior, essa obra de São Tomás de Aquino trata sobre os comentários dele acerca do segundo livro da Ética, de Aristóteles, fazendo uma análise detalhada e, de maneira bem didática, explicando o que significa a Virtude, por ela mesma, como espécie de eixo e guia para aqueles que buscam tentar ser melhores. É, a bem da verdade, uma obra em que um gênio explica outro.

Existe, contudo, um viés que acredito ser marcante, um traço que distingue aquilo que nos engradece realmente, de outros ensinamentos “comuns”. Há diferença entre a Verdade e aquilo que somente aumenta o ego dos que acreditam conhecer algo. O que o Doutor Angélico acrescenta na filosofia ocidental aos ensinamentos sobre as virtudes, é justamente o seu principal conteúdo, um “interior” concreto: Deus. “Deste raciocínio acima tomado (de que as virtudes surgem mesmo quando coisas ruins são produzidas, como por exemplo quando um homem irado consegue concluir uma vingança, ele se “deleita”, mesmo que por pouco tempo – e essa é uma das principais características que marcam as “boas” virtudes: a perenidade da satisfação de seus resultados), resta-nos a afirmativa de que toda virtude moral existe nos prazeres e nas tristezas, mas sempre depende de suas finalidades específicas”. Aqui entendo caber a “Consciência da Fé” que há no Catolicismo, que é, de forma bem simplória, “saber” no que estamos acreditando e consequentemente ter consciência real de nossas ações.

Essa diferença, esse “algo a mais” que completa a filosofia de Aristóteles e de tantos outros grandes filósofos, conseguimos notar quando São Tomás explica o erro dos Estoicos. “Os Estoicos diziam que os homens agem mal pelos deleites e pelas tristezas, propondo que a virtude consiste em uma situação em que as mutações das paixões cessam totalmente. Todavia, esta afirmativa defendida pelos Estoicos – exclusão total das paixões da alma como fundamento para a consideração do sujeito como virtuoso – levava-os a um sério erro: o de ser pertinente ao bem da razão que o sujeito regule racionalmente o apetite sensitivo, dando limites aos elementos pertencentes às paixões”. O Santo conceitua o que entende como sendo o único caminho para conseguir ser virtuoso: o justo meio.

São Tomás explica o que são as virtudes e como, ao conhecê-las, devemos elevá-las ao máximo suas “potências”. “A virtude de algo só é compreendida em conformidade com o seu fim último. Assim, podemos afirmar que, apesar de alguém possuir em certo momento de sua vida apenas cinquenta libras, ele é capaz de possuir quantia maior, isto é, cem libras. A virtude desta personagem refere-se ao máximo de dinheiro que é capaz de possuir: cem libras, e não as cinquenta que eventualmente possua(...). Podemos formalmente definir a virtude como um hábito, e este último – o hábito da virtude – nos faz agir bem, tal qual a brancura, responsável pelo embranquecer das coisas”.

Entende que as virtudes são “produzidas” por elas mesmas, na medida em que, por exemplo, só se tem temperança sendo temperante; só há justiça quando se é justo. “Aristóteles no fim da lição afirma que a virtude é uma mediatriz, isto é, ela se concretiza quando buscamos um fim que só pode ser criado por ela mesma.”

Aqui abro um parêntese para citar outro grande escritor: C.S Lewis. Entrando nessa questão de que só podemos ser aquilo que praticamos, Lewis fala de maneira assertiva sobre como é difícil ser Bom, e a luta que travamos, se enganando aqueles que pensam que a partir do momento em que decidirem fazer algo, farão sem impedimentos. “Nenhum homem sabe o quanto é mau, até se esforçar para ser bom. Só conhecemos a força do vento quando caminhamos contra ele, e não quando nos deixa levar”. 

Assim também são as virtudes, de modo que apenas adquirimos a consciência das dificuldades de conseguir atingi-las, quando resolvemos tentar aplica-las em nossas vidas. Se torna uma espécie de exercício diário e constante o aprimoramento das virtudes que nos cabem. Ninguém consegue ser algo que nunca tentou antes. Assim, São Tomás caracteriza as virtudes, então, como escolha e hábito: decidimos ser bons e temperados em nossos atos e continuamos reafirmando e ratificando essas escolhas continuamente.

“Virtudes podem ser escolhidas ou não. Quando agimos aparentemente com virtude, mas sem ter escolhido, os atos resultantes são chamados de virtudes em sentido específico ou estrito, isto é, tratam-se apenas de atos concretizados, sem vontade. Entretanto, sabemos que os principais atos de virtude dependem de elementos interiores, da própria vontade humana. Logo, a virtude deve ser definida como uma espécie de escolha. (...) Os atos exteriores de virtude devem proceder da escolha interior, e não o contrário.”

E continua mais a frente, “Já dissemos que todas as ações segundo qualquer das virtudes são só realizadas enquanto respeitarmos o justo meio. Assim, parece-nos que agir conforme o justo meio significa executar o bem, e se nos tornamos bons é porque repetimos continuamente esta espécie de ação. A virtude é o que torna o homem bom e o faz agir bem, existindo conforme o justo meio.”

Costumo analisar a seguinte questão: todos nós somos influenciados, em maior ou menor grau, seja pelo ambiente em que vivemos – aqui entendido através das pessoas que estão à nossa volta –, seja por aquilo que consumimos intelectualmente. De qualquer modo, grande parte dessa influência pode ser “escolhida” por nós. Um dos primeiros passos para o crescimento intelectual e, principalmente, crescimento como ser humano, é entender isso – a influência que as coisas exercem sobre nós – e passar, assim, a escolher o que nos influenciará. Na imensa maioria das situações, nossas reações são baseadas no acervo de conhecimento que possuímos, mesmo aqueles que ficam gravados no subconsciente. Cabe a nós preencher esse “álbum de figurinhas” com bons exemplos e boas virtudes, reiteradamente, até que todas as nossas ações e reações não sejam frutos de pensamentos mesquinhos, mas sim de desejos superiores e recheados de Caridade. 

Onze Lições sobre a Virtude, São Tomás de Aquino.

 
 
*Este conteúdo é de responsabilidade do autor e não representa, necessariamente, a opinião do Diário de Uberlândia.


Leia Também »
Comentários »
Diário de Uberlândia | jornal impresso e online Publicidade 1140x90