Diário de Uberlândia | jornal impresso e online Publicidade 1140x90
08/07/2023 às 08h00min - Atualizada em 08/07/2023 às 08h00min

Roberto Campos – Parte II

EDMAR PAZ JUNIOR
Foto: Reprodução/Internet
Terminei o último texto falando acerca da independência intelectual de Campos. Este imenso trunfo, um desprendimento ideológico imponente, lhe calçou de forma magistral para o debate com aqueles que desejavam impor alguma teoria abstrata em detrimento do que a realidade apresentava.

Suas percepções e entendimentos sobre o que se passava – e continua ainda hoje – sobre a economia e desenvolvimento do nosso país, foram traduzidas brilhantemente em suas frases e ponderações absolutamente assertivas, mesmo que ainda não concretizadas, ou seja, que não haviam ocorrido de fato. Muito daquilo que Campos se preocupou em prevenir se mostrou real, e ainda persiste como ameaça até os dias atuais – mais uma vez, lembremos da frase de Burke e que, enquanto não mudarmos o rumo do barco, estaremos sempre naufragando.

Desde bem cedo, Campos percebeu, em uma época onde praticamente tudo conduzia para uma maior intervenção estatal, principalmente no período pós segunda guerra mundial, que quanto maior o Estado, maior seriam os gastos e que, em consequência, geraria uma oneração cada vez maior aos contribuintes (nome romântico para os pagadores de impostos). Notou ao decorrer dos anos que a despeito dos gastos exorbitantes, camuflados por um “produzir bem-estar social”, nunca foram entregues serviços à altura do dinheiro despendido. Hoje, mesmo essas previsões se mostrando corretas, insiste-se em continuar com políticas públicas fadas ao fracasso, com quase nada sendo devolvido como contrapartida desses gastos. É sempre um apelo “humanístico” que clama pela “caridade” da população, mas que na verdade não passa de mais uma forma de concentrar e transferir riquezas para as mãos de poucos. Advertia sobre os perigos dessas medidas repetindo Hayek, “não é função do governo fazer um pouco melhor ou um pouco pior o que a iniciativa privada pode fazer. E só fazer o que ninguém mais pode fazer.”

Em 1999, quando se despediu do Congresso Nacional, descreveu em seu discurso as causas de nosso contínuo fracasso, essas que padecemos até hoje, como sendo as deformações culturais, os erros comportamentais e a armadilha do meio sucesso. Elenca, ainda, o que considera como sendo essas principais deformações culturais: o nacionalismo temperamental, que reduz a absorção de tecnologia e investimentos; o protecionismo, que castiga o consumidor sem exigir eficiência do produtor; o estruturalismo, que subestima o papel da desordem monetária na inflação; o populismo, que é a arte de distribuir riquezas antes de produzi-las; e o estatismo, que leva o Estado a fazer mais do que pode no econômico e menos do que deve no social.  

Os erros comportamentais vieram, como ele disse, em safra abundante nos anos 1980, com destaque para a Constituição, que seria “intervencionista no econômico, utópica no social e híbrida no político". Ampliou os monopólios estatais, exagerou a carga fiscal, engessou as relações trabalhistas e criou um sistema previdenciário que é uma briga com o cálculo atuarial”. O medíocre desempenho econômico também seria devido à armadilha do meio sucesso, que é o caso do Brasil: “as nações só podem ser salvas pelo claro sucesso, que gera confiança, ou pelo fracasso exemplar, que gera mudanças”. Nessa luta constante, estamos sempre no meio do caminho, sem atingir um (o sucesso motivador) ou outro (o fracasso exemplar). E mais uma vez, décadas antes, acerta o estado atual de coisas: “O Brasil é uma potência emergente que ainda não emergiu e que se surpreende ao descobrir que continua sendo um país com um grande futuro no seu passado. (...) Nosso problema não é só de iniquidade distributiva, mas também de debilidade produtiva”.

Um outro grande ponto que Campos combateu era exatamente a ineficiência, não só em produzir um ambiente propício ao desenvolvimento, mas bem mais em conseguir identificar os verdadeiros inimigos do sucesso do país. Ao observarmos, com “olhos de hoje”, notaremos que, talvez, esse “combate” errôneo que os políticos brasileiros empreenderam, e ainda o fazem, seja deliberadamente proposital: como diz Taleb, “os burocratas são pagos para encontrar soluções, não para resolver os problemas”. A despeito de muito se falar sobre isso, de que os políticos criam as crises para que suas soluções sejam necessárias, é, em certa medida, meio que inacreditável como muitos brasileiros ainda caem nessas falácias. 

“Sempre achei que um dos mais graves problemas dos subdesenvolvidos é a sua incompetência na descoberta dos verdadeiros inimigos. Assim, por exemplo os responsáveis pela nossa pobreza não são o liberalismo, nem o capitalismo, em que somos noviços destreinados, e sim a inflação, a falta de educação básica, e um assistencialismo governamental incompetente, que faz com que os assistentes passem melhor que os assistidos. Os inimigos do desenvolvimento não são os entreguistas que, aliás, só poderiam entregar miséria e subdesenvolvimento, e sim os monopolistas, que cultivam ineficiências e criaram uma nova classe de privilegiados – os burgueses do Estado. Os promotores da inflação não são a ganância dos empresários ou a predação das multinacionais e sim esse velho safado, que conosco convive desde o albor da República – o déficit do setor público.”

É preciso ter em mente que todo gasto público, muitas vezes sob o disfarce de “investimento público”, gera uma despesa a mais para a população: o Estado não produz nada, muito menos bem estar social, sem antes tirar o dinheiro das mãos das pessoas. Roberto Campos enfatizou a ideia de que se deveria tomar cuidado com as consequências desse “empréstimo” obrigatório que o Estado se utiliza, ao rogar para si o “dever” de fazer algo pelo povo. Embora seja muito necessário em alguns casos, principalmente por conta da quantidade de população carente em nosso país, conseguimos entender no presente, o que seus avisos tentaram no passado: “O bem que o Estado pode fazer é limitado; o mal, infinito. O que ele pode nos dar é sempre menos do que pode tirar”. A corrupção degenerada e institucionalizada que há, principalmente em consequência da concentração de poder e dinheiro num governo central – Brasília – nos mostra, com fatos, que ele não estava errado. 

Hoje, com um governo populista, que não mede consequências para impor suas narrativas, e que tenta sobrepor uma ficção jurídica a todo custo sobre a realidade, uma frase continua atual, pouco mais de duas décadas depois de proferida: “Continuamos longe demais da riqueza atingível e perto demais da pobreza corrigível”.

O Homem que pensou o Brasil – Trajetória intelectual de Roberto Campos.



*Este conteúdo é de responsabilidade do autor e não representa, necessariamente, a opinião do Diário de Uberlândia.
Leia Também »
Comentários »
Diário de Uberlândia | jornal impresso e online Publicidade 1140x90