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24/06/2023 às 08h00min - Atualizada em 24/06/2023 às 08h00min

A Vida Intelectual – Parte III

EDMAR PAZ JUNIOR
Foto: Reprodução/Internet
Acredito ser de grande importância a preparação que tentei realizar ao longo dos dois últimos textos, para que pudéssemos compreender um pouco melhor o conteúdo e profundidade desta obra. Como dito antes, uma “simples” frase pode esconder um abismo de conhecimentos; ou, de forma distinta e mais densa, é preciso que conheçamos muitas coisas para entendermos determinados conceitos.

Esse guia maravilhoso, e essencial, que Sertillanges apresenta para aqueles que se propõem ao trabalho intelectual, à uma vida de estudos, proporciona ferramentas para que possamos cada vez mais aprimorar a forma como estudamos e olharmos a realidade que se nos apresenta. 

Dividido em capítulos que tratam desde o significado e o propósito do que significa a vocação intelectual, até como “manter o contato com a vida”, o autor percorre todos os pontos que permeiam a vida de um estudioso: o dom, o ambiente externo, espírito do estudo, as orações e as implicações que podem – e devem ocorrer – quando se começa a buscar um conhecimento mais aprofundado sobre si mesmo. “O futuro depende de Deus e de nós; mas numa certa ordem. Não depende principalmente da força, mas do pensamento”, diz o escritor. O caminho que a humanidade deve trilhar não diz respeito tanto ao seu desenvolvimento tecnológico, mas bem mais sobre o como somos capazes de evoluir mentalmente, seja no campo filosófico e técnico, ou, principalmente, nas relações humanas. 

No capítulo que escreve sobre a organização da vida, ensina: “Para que tudo em você esteja orientado para o trabalho, não basta organizar-se interiormente, definir sua vocação e administrar suas forças: é preciso também ordenar sua vida, e penso aqui no quadro em que ela se desenvolve, nas suas obrigações, nas suas vizinhanças, no seu cenário”. Aqui, entra um ponto que gosto muito de observar: a forma como aquilo que é a verdade se apresenta de diversas formas diferentes, mas sempre com o mesmo sentido. Ortega Y Gasset diz que “eu sou eu e minhas circunstâncias, se não salvo a elas, não salvo a mim” e que “a reabsorção das circunstâncias torna concreto o destino do homem”. Veja, tudo o que fazemos deve guardar relação com aquilo que ansiamos conquistar; mais uma vez, surge a importância tanto de “se” conhecer, para identificar para onde se quer ir, quanto daquilo que consumimos intelectualmente – e cotidianamente – que implica diretamente no sucesso desse caminho.

Um outro ponto muito bom da obra, trata sobre a preparação que o estudante deve ter para com seu trabalho. A leitura, a organização da memória e a forma como elaborar notas, ajudam em muito o desenvolvimento regular e constante desse trabalho. “Trabalhar significa aprender e significa produzir: nos dois casos é necessária uma longa preparação. Produzir é um resultado, e para aprender em matéria árdua e complexa é preciso ir através do que é simples e fácil: ‘Pelos riachos, e não diretamente, é que chegamos ao mar’, diz-nos São Tomás. Ora, a leitura é o meio universal de aprender, e é a preparação imediata ou distante de toda produção”.

O que o escritor tenta dizer, fundamentado nos ensinamentos de São Tomás de Aquino, é que um bom trabalho começa com a preparação e qualidade do que se deve ler, e não necessariamente da quantidade. “Temos de ler inteligentemente, e não apaixonadamente”, diz Sertillanges. “Pois o que lemos hoje com indiferença surgirá quando for propício, e nos fornecerá, sem que percebamos, os pensamentos que serão a fonte da nossa salvação ou da nossa perdição. Deus desperta os bons pensamentos para nos salvar; o diabo desperta os maus pensamentos cuja semente encontra em nós”.

Sertillanges ainda aprofunda esse ensinamento, discorrendo sobre os tipos de leitura que acredita fundamentais, distinguindo-as em quatro. “Lê-se para se formar e se tornar alguém; lê-se em vista de uma tarefa; lê-se a fim de se exercitar para o trabalho e para o bem; lê-se para se distrair. Há leituras de fundo, leituras de ocasião, leituras de estímulo ou de edificação, e leituras de repouso”, e continua explicando que “as leituras de fundo exigem docilidade, as leituras de ocasião, maestria, as leituras de estímulo, ardor, as leituras de repouso, liberdade”. 

Ele não limita, assim, o que devemos ler, mas tão somente demonstra uma forma de potencializar nossas escolhas literárias: delimitar a forma não significa necessariamente diminuir a amplitude; trata-se de um paradoxo, em que lemos “menos”, para conhecer mais. “Leia o que lhe dá prazer, o que não o entusiasma demais, o que não o prejudica de alguma forma, e já que, mesmo distraindo-se, você não é um consagrado, tenha a inteligência de ler aquilo que, além da utilidade repousante, pode lhe ser útil de outra maneira, ajudando-o a aperfeiçoar-se, a ornar seu espírito, a ser homem.”

Nessa busca pelo que “devemos” ler, prezando-se pela qualidade, mesmo em nossos momentos de descontração, o autor nos dá lição valiosa sobre esse tema. Buscar a sabedoria dos antigos, aquilo que foi provado pelo tempo e mesmo assim resistiu, por se tratar de ser verdade.

“A comunhão dos santos é o suporte da vida mística; o banquete dos sábios, eternizado por nosso culto e nossa assiduidade, é o reconforto da vida intelectual. Cultivar a admiração dos pensadores ilustres e o consequente convívio com eles é o meio, não de se tornar aqueles que você honra, mas aquele que você é, e repito que é este o objetivo a visar e alcançar.”

Desejar ser uma pessoa melhor é algo intrínseco de todos, mesmo aqueles que ainda não o sabem. Para os que entendem o que isso significa, por em prática esse desenvolvimento se torna muitas vezes um grande desafio, mas que certamente recompensa os que assim anseiam. 

A Vida Intelectual, A.-D. Sertillanges.



*Este conteúdo é de responsabilidade do autor e não representa, necessariamente, a opinião do Diário de Uberlândia.
 
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