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22/06/2023 às 08h00min - Atualizada em 22/06/2023 às 08h00min

Crônica: sair sem ser notada

IVONE ASSIS
Há cerca de 22 anos comecei a escrita e o estudo das crônicas. O meu marco inicial foi o dia 11/09/2001. Naquele fatídico dia, em que as torres gêmeas e o Pentágono, nos EUA, foram atacados pela Al-Qaeda, em um ato terrorista desmedido, comecei a escrever crônicas e não parei nunca mais. Destas vieram pesquisas, ensaios, artigos e, inclusive, bobagens literárias. O fato é que aquele horrendo ataque parece ter acionado uma luzinha dentro de mim, para a necessidade da escrita em um estilo que seja mais livre e mais próximo do leitor.

Mas meu foco não é falar sobre a insanidade daqueles 19 terroristas, e sim apresentar um ponto de vista sobre o eixo que distingue o conto da crônica. Já promovi dezenas de concursos literários nacionais e internacionais, nos gêneros crônicas e contos, e é comum textos incríveis serem reprovados, não porque ficaram ruins, mas porque o autor manda conto no lugar da crônica e vice-versa. Embora o conto também seja uma narração breve, às vezes até mais breve que a crônica, ele não se confunde, haja vista ter “rubrica” própria, cujos personagens, em número restrito, mantém o foco em uma única ação (um só conflito), e pede objetividade e não subjetividade, como acontece na poesia, por exemplo.

Mas, afinal, que bicho crônico é esse a que chamam de crônica? A crônica é uma escrita rápida, sem diálogos, e de curta duração no tempo narrativo. Ou seja, começa e termina, como se fosse um acontecimento diário. Existem muitos tipos de crônicas, mas a regra vale para todos. A crônica estabelece maior comunicação entre a palavra e o leitor, como se de repente o cronista estivesse a narrar ao leitor um acontecimento de si, contudo, em um monólogo e não em um diálogo. Apesar da informalidade, prefiro discordar do mestre Rubem Braga quando este a classificou de subproduto da literatura. Melhor considerá-la como ramificação, assim penso que não cometeremos “bullying”, nem preconceito, com o gênero.

Existem várias regras e pontos de convergências em muitos portos literários, sobre os quais dou minúcias em cursos, porém o básico é isso. Lembrando ainda que a crônica nos permite (re)vesti-la de crítica e/ou humor. Muitos literatos conceituam conto e crônica como sendo isso ou aquilo, mas no final das contas, como escreveu Mário de Andrade, “Conto é tudo o que o autor chamar de conto”, e crônica é a escrita rápida que não se confunde com o conto. Ambos aguardam mais definições, havendo, portanto, um vasto campo a ser explorado pelos pesquisadores. E nesse universo de linhas cruzadas, possivelmente, conto e crônica “se divertem”, fazendo escárnio de nós, mortais, que pensamos entender seus labirintos literários. Como fonte de inspiração para a escrita, independentemente do gênero, temos um mundo inteiro à nossa frente.

Muitos vieram antes de mim, e muitos virão depois. E, como eu, é possível que queimem massa cinzenta e aborreçam os leitores, na tentativa de “conceituar a ficção”, a qual quer tão somente narrar a ideia e conquistar o leitor.

A transitoriedade da crônica e sua pauta atrelada ao cotidiano pode induzir o leitor desavisado a nomeá-la de matéria, mas isso também é confusão, a matéria está para a reportagem, e a reportagem está para a notícia; enquanto a crônica, embora esteja para o acontecimento diário, é uma narrativa cotidiana voltada para a ficção, podendo ter suas personagens inspiradas na realidade ou, simplesmente, extraídas do imaginário, em um processo de criação lírica. No entanto, assim como a notícia, a crônica também envelhece, contudo, pode se imortalizar nos livros e pesquisas, e isso revitaliza seu valor literário.

A crônica tem em si a magia da simplicidade, e isso a empodera para uma comunicação direta com o leitor geral, podendo ser entendida pelo aprendiz e explorada pelo cientista. A informalidade da crônica é, “na verdade”, o seu disfarce “de agente secreto”, capaz de adentrar qualquer recinto, extrair o seu objetivo, de forma ágil, eficiente e simples, e sair sem ser notada.


*Este conteúdo é de responsabilidade do autor e não representa, necessariamente, a opinião do Diário de Uberlândia.
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