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17/06/2023 às 08h00min - Atualizada em 17/06/2023 às 08h00min

A Vida Intelectual – Parte II

EDMAR PAZ JUNIOR
Foto: Reprodução/Internet
É admirável a forma como “nossa época”, nos dizeres de Ortega y Gasset, se acredita superior às demais, sobremaneira por um pensamento quase que completamente avesso à evolução, qual seja, o sentimento de “despertencimento” dos séculos; é como se acreditássemos que simplesmente “caímos do céu”, com exatamente tudo da forma como está.

Esse sentimento de despertencimento, de descolamento do passado, diferentemente do que ensina o conservadorismo, produz como resultado “indireto”, a ideia de que não temos mais para onde expandir ou desenvolver, como se houvéssemos atingido a linha de chegada. De modo contrário, se olhamos para nosso tempo sempre como um “tempo de transição”, entre um passado que foi bom e um futuro que será melhor que o nosso, sem a petulância de nos acharmos o limite da humanidade, talvez haja uma possível chance de “correção” na nossa rota atual.

Nós nascemos com um conhecimento “estabelecido”, e como todos sabem, que viemos do pó, há que se presumir no mínimo (isso para aqueles mais arrogantes) que existe “alguma coisa” entre o “início” dos homens e o agora. Para os conservadores, esse tempo compreendido entre o “começo” e os dias atuais, é visível e singularmente importante, pois sem ele não chegaríamos onde estamos: herdamos conhecimentos que se aprimoraram e foram testados ao longo dos anos, e reconhecer esse legado é aceitar fazer parte de algo maior, que é a história da humanidade – reconhecendo nossa pequenez. Esse é o sentimento de pertencimento.

Vejamos, por exemplo, num caso muito específico, como nesses 16 conselhos de São Tomás de Aquino, que foram destrinchados pelo Padre Sertillanges em vários outros pilares de ensinamentos, que colaboram, não apenas para nosso crescimento intelectual, mas principal e consequentemente, para nosso desenvolvimento como humanos melhores – ou pelo menos, menos piores.

Sertillanges desenvolve o livro fazendo-o de uma forma que quando lemos os conselhos, ao final, consigamos entender sua profundidade. O livro é, assim, uma espécie de ante sala à sabedoria proposta pelo Doutor Angélico: às vezes, o que pode parecer uma simples frase, esconde um abismo de ideias e lições, que, explanados devidamente, valem edições inteiras de obras literárias.

Estes escritos, apesar de relativamente curto, apresentam essa carga valiosa que um bom professor sabe transmitir. Guiando-nos pela mão, o escritor nos mostra não apenas princípios gerais, mas verdadeiros preceitos para desenvolver e aprimorar uma vida estudos, uma vida intelectual, encarada como um dom de Deus e um chamado.

“Falar de vocação é referir-se àqueles que pretendem fazer do trabalho intelectual sua própria vida, tanto os que têm todo o seu tempo para dedicar ao estudo, como os que, empenhados em suas ocupações profissionais, reservam para si, como feliz suplemento e recompensa, o desenvolvimento profundo do espírito.”

Indo um pouco mais além, Sertillanges explica que todos os que têm esse chamado à vida intelectual, uma vida de estudos, devem respondê-lo. Ele questiona e também responde, muito no sentido do que o próprio conservadorismo como pensamento e princípios prega: a ideia de que recebemos uma herança e devemos trabalhar para conservar e passá-la adiante. “Quer ajudar com sua humilde parte a perpetuar a sabedoria entre os homens, a entesourar a herança dos séculos, a fornecer ao presente as regras do espírito, a descobrir os fatos e as causas, a orientar os olhos inconstantes para as causas primeiras e os corações para os objetivos supremos, a reavivar a chama que se apaga, a organizar a propaganda da verdade e do bem? É o seu quinhão. Isso vale sem dúvida um sacrifício suplementar e o cultivo de uma paixão abrasadora.”

Essa ideia, como pressuposto de “um querer profundo: querer ser alguém, chegar a algum lugar; ser já, pelo desejo, esse alguém qualificado por seu ideal”, que o autor apresenta, em certa medida, demonstra uma parte do pensamento filosófico do Ocidente, de que o homem não é o fim em si mesmo. Um exemplo é também o que Ortega Y Gasset diz: “Recordem que no começo distinguíamos o homem excelente do homem vulgar, dizendo que aquele é o que exige muito de si, e este o que não se exige nada, que se contenta com o é e está encantado consigo. Contra o que se costuma crer, é a criatura de seleção, e não a massa, quem vive em servidão essencial. Sua vida não terá sentido se não consistir no serviço de algo transcendente. Por isso não sente a necessidade de servir como uma opressão. Quando ela, por azar, lhe falta, sente desassossego e inventa novas normas difíceis, mais exigentes, que lhe oprimam. Isso é a vida como disciplina – a vida nobre.”

Nesse sentido, o livro se torna um verdadeiro guia para os que sentem a necessidade de se aprimorar através dos estudos. Uma distinção importante, que em muitos momentos a maioria das pessoas caem, é achar que estudos somente tem relação com conteúdo técnicos, como por exemplo uma disciplina de universidade. Entretanto, o estudante a que se refere Sertillanges, guarda bem mais relação com aqueles que buscam entender os movimentos daquilo que nos cerca, principalmente acerca das relações humanas. Aumentar nosso repertório de “figurinhas” das situações que a existência proporciona, certamente faz com que diminuamos atritos com os outros e tenhamos, ao menos em tese, a possibilidade de conseguir sair de determinados entraves sem causar grandes danos. É como diz o ditado, “uma pessoa inteligente aprende com seus próprios erros; um sábio aprende com o erro dos outros”.

Dentre os conselhos ensinados por São Tomas, são três os que cito como exemplos: “Guarda a pureza de consciência”, “não te preocupes com as ações dos outros” e “não deixes de imitar a conduta dos santos e dos homens de bem”. Fica bem nítida uma coisa que falo há tempos, que é justamente sobre as coisas que devemos consumir intelectualmente – músicas, livros, filmes e até passeios – de forma que influencia diretamente em nossas vidas. Se um santo e doutor da Igreja falou sobre esse tema há quase oitocentos anos, quem somos nós para acreditar que ele não tem importância? Pelo contrário, é necessário olhar a realidade e entender que, mesmo diante de toda a evolução tecnológica que vivenciamos, a natureza humana é a mesma. Se os santos e sábios enxergaram essas dificuldades já há tanto tempo, devemos ter um olhar cuidadoso para a forma como eles conseguiram superar suas limitações e buscar aprender e seguir seus passos. A recompensa, como ensina o padre Sertillanges, é certa: “se seguires este caminho, produzirá frutos úteis e alcançarás o que desejas”.

A Vida Intelectual, A.-D. Sertillanges.

 
*Este conteúdo é de responsabilidade do autor e não representa, necessariamente, a opinião do Diário de Uberlândia.



   
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