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25/05/2023 às 08h00min - Atualizada em 25/05/2023 às 08h00min

Livro

IVONE ASSIS
Quando nos vimos, foi amor à primeira vista. Eu, uma menina da Vila, sem beleza ou leitura, e ele, um “ser” mágico, elegante e cheio de conhecimento. Nunca vi “ninguém” mais polido, mais cheio de saber, e gentil, pois, falava na medida do meu querer, revelava à altura de minhas expectativas... Educado demais. Sábio demais. Não poderia ser diferente, foi encantamento ao primeiro encontro. Eu me entreguei por completa. Meu caso de amor com o livro é antigo. Desde que o conheci, eu e o livro só fomos capazes de apertar ainda mais nossos laços de cumplicidade. Como é possível amar tanto um “sujeito” que só fala nas entrelinhas?! Ele é sensível demais. E como um livro só é livro se for lido, ele é desses que só fala se pedirmos.

Fabiano Grazioli e Rosemar Coenga, em “Literatura Infanto juvenil e leitura...” (Habilis, 2014, p. 191), ensinam que “Partilhar é o termo ideal, porque antes de tudo, leitura é uma experiência que envolve a troca, o diálogo e a interação”. Isso nos faz refletir sobre a corriqueira frase “ninguém lê”. O que nós leitores temos oferecido àqueles ainda não-leitores? Especialmente na relação professor x aluno, em sala de aula.

Marisa Lajolo, em “A formação do leitor no Brasil” (Ática, 1996, p. 28), defende que “A leitura é, fundamentalmente, processo político. Aqueles que formam leitores [...] desempenham um papel político que poderá estar ou não comprometido com a transformação social, conforme estejam ou não conscientes da força de reprodução”. E não há como discordar, porque a leitura é estratégica e eficaz nesse processo de lidar com “a pedra no meio do caminho”.

Li uma frase atribuída a Mário Quintana, cuja obra ainda desconheço, mas achei muito pertinente, que diz: “Os livros não são capazes de mudar o mundo, quem muda o mundo são as pessoas, os livros só mudam pessoas”. Ora, é lendo que se absorve mudanças e é mudando a si, que se muda o mundo. Assim sendo, o poeta foi muito feliz em sua pauta. Como diria Antonio Candido, a literatura é capaz de humanizar profundamente, porque possibilita viver. “A arte, e, portanto, a literatura, é uma transposição do real para o ilusório por meio de uma estilização formal da linguagem” (CANDIDO, 1972, p. 53), e assim sendo, podemos dar o final que quisermos a qualquer história. Cabendo-nos esta possibilidade, é possível que contemos nossos erros, mas também apontemos a solução, de modo a contribuir para que outros não passem pelo mesmo infortúnio. Basta usarmos a imaginação, para traçarmos novas possibilidades.

Embora o inconteste Michel Foucault, em sua obra “Estética: literatura e pintura, música e cinema” (2009, p. 79-80), declare que “O imaginário se aloja entre o livro e a lâmpada. Não se traz mais o fantástico do coração [...] extraímo-lo da exatidão do saber: sua riqueza está à espera, no documento. Para sonhar, não é preciso fechar os olhos, é preciso ler”, devo discordar em parte, porque do contrário a imaginação seria invalidada. Logo, fazendo uso do próprio ensinamento do filósofo, creio que a imaginação não se pauta apenas no sonho, mas, também, no rigor do estudo daqueles que leem, releem e copiam. Esse processo é a ponte que nos remete ao infinito.

A linguagem literária cria possibilidades, gera liberdade, impregna sabor, propicia significações, ouso dizer que a arte literária é a cartilagem que entremeia o discurso científico, bem como a realidade, para que as passadas sejam macias e prazerosas, sem dor, sem sacrifício. Assim, é possível trilhar entre o ilusório e o real, sem perdas, sem arbitrariedade, e ainda configurar novas possibilidades ao cotidiano, por meio do afago psicológico. Como escreveu Clarice Lispector, em “Água viva” (1973, p. 67): “Tudo acaba, mas o que te escrevo continua [...]. O melhor ainda não foi escrito. O melhor está nas entrelinhas”, o melhor será extraído apenas pelo verdadeiro leitor, aquele que explora o conhecimento e a imaginação.

Então, quando o tempo estiver fechado, o melhor é se desanuviar em um bom livro.



*Este conteúdo é de responsabilidade do autor e não representa, necessariamente, a opinião do Diário de Uberlândia.
 
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