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18/05/2023 às 08h00min - Atualizada em 18/05/2023 às 08h00min

E a Esperança?

IVONE ASSIS
Após semanas de intensa convivência com casos psiquiátricos, lembrei-me de um artigo de Peter Burke, cujo título questiona “A esperança tem história?”. Já não me lembro do contexto, mas o título por si já me basta agora. No trivial das literaturas, muito se escreve sobre tragédias, conquistas, medos, emoções, doenças, como ser isso ou aquilo... A psicologia também se ocupa em anunciar as emoções, sobretudo a história do medo. Eu mesmo já me aventurei nessa narrativa. E o que mais me cutuca é, e a esperança, quem está se dedicando a pesquisá-la e historiá-la? Quando paramos a observar unidades psiquiátricas abarrotadas de pacientes, e um número sem igual aguardando vagas, cada qual na sua dor e intensidade, torna-se questionável a atenção humana à saúde. Afinal, por que a saúde mental se encontra cada vez mais fragilizada e, mesmo assim, o Estado e a sociedade continuam a ignorar a urgência da atenção à saúde mental?

Todo viver tem sua história, mas o não-viver dentro da vida também é um viver, e tem sua história. A esperança é um sentimento que molda a história da humanidade, e merece um registro sério e respeitável. A psicohistória abarca emoções que incluem o amor, o medo, a raiva... e outros sentimentos vários que tecem a figura humana nesse centro de convivência que chamamos de mundo. A história é o conjunto de acontecimentos, e este carrega em si o pacote social e cultural, que, por sua vez, são estampados com a esperança. Basta observar a sociedade pós-Covid-19 e analisar o quanto a cultura foi crucial na superação dos dias mais difíceis, e o quanto a ausência do convívio social foi um agravante, e teremos a resposta para a relevância de se historiar a Esperança.

É graças à esperança que famílias se empenham em socorrer seus membros mais fragilizados; que a sociedade vota em seus candidatos; que a juventude estuda; que as pessoas constituem famílias; que o sujeito trabalha, enfim, a esperança é a vitamina da vida.

Milhares de psiquiatras, psicólogos, terapeutas, poetas, literatos, pesquisadores das mais diversas áreas observam e registram seus pareceres quanto a um ou outro ponto, mas ainda falta um compromisso literário com a historiografia dos sonhos, cujo pêndulo é a esperança. As igrejas fazem uma abordagem no foco religioso; a saúde, no foco resultado; a literatura, na ficção... mas e a Esperança por si, enquanto ferramenta de resultado humano e concreto? Qual setor tem se dedicado à cartografia histórica da esperança?

De acordo com Sílvio Romero, em “História da literatura brasileira” (1903, p, 188, Tomo I): “A história literária é uma das manifestações da história social; as letras não são um luxo, senão uma necessidade orgânica da vida das nações”.

Ao ler a obra “Os grandes casos de psicose” (2001), coordenada pelo psiquiatra e psicanalista argentino Juan-David Nasio, deparei-me com a citação de Sigmund Freud “Eu mesmo me surpreendo ao constatar que minhas observações dos pacientes podem ser lidas como romances e não trazem, por assim dizer, a chancela de seriedade que é própria dos escritos científicos.” (FREUD). Isso gera ainda mais ansiedade em pensar a urgência em se registrar a dor e a esperança humana, a fim de encontrar novas propostas de cura.

O poeta Manoel de Barros, em “O lavador de pedra”, da obra “Memórias inventadas: a Infância” (Planeta, 2003, p. 25), escreve: “A gente morava no patrimônio de Pedra Lisa. [...]. Pelo arruado passavam comitivas de boiadeiros e muitos andarilhos [...]. A Venda ficou no tempo abandonada. Que nem uma cama ficasse abandonada. É que os boiadeiros agora faziam atalhos por outras estradas. A Venda por isso ficou no abandono de morrer. Pelo arruado só passavam agora os andarilhos. E os andarilhos paravam sempre para uma prosa com o meu avô [...]. Tudo isso mais os passarinhos e os andarilhos era a paisagem do meu avô. Chegou que ele disse uma vez: Os andarilhos, as crianças e os passarinhos têm o dom de ser poesia. Dom de ser poesia é muito bom!”.

E a Esperança?


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