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11/05/2023 às 08h00min - Atualizada em 11/05/2023 às 08h00min

Orfanofilhos

IVONE ASSIS
Diante de tanta brutalidade humana, social, política... Parece que o mês das mães de 2023 se iniciou, como tantos outros, conjugando o verbo orfanar em todos os tempos e pessoas possíveis, na língua portuguesa. Nem estou a falar do adjetivo “órfão”, porque este, a cada minuto, é cutucado pelo superlativo terribilíssimo. Para o orfanar, além do superlativo mencionado, ouso acrescentar o voracíssimo. Segundo após segundo, uma mãe ou um pai, em algum “canto” do mundo, chora a perda de seu filho, pelas mais diversas razões e/ou desrazões. O fato é que, em sua maioria, está atrelado à criminalidade, à falta de políticas públicas eficientes, ao descaso com a (da?) saúde pública... e outros pontos sem arremates que a história traz.

Neste mês de abril, o desaparecimento de um menino, com apenas dois anos, em Santa Catarina, despertou a polícia para o superlativo “possibilíssimo”, voltado para o tráfico de pessoas. Pois, com tantos desaparecimentos em uma mesma região, todos os indícios apontam para um esquema de tráfico de pessoas, que pode afetar todo o país. Crianças desaparecem sem deixar pistas e a indagação pode ser sanada com a frase “facilitação na entrega de documentos, certidão de nascimento e cartão de vacinas”. Mas quem faz esse processo? O aliciador? A família? O hospital? Algum outro órgão ou pessoa? Três outros superlativos podem ser mencionados: O esquema é facílimo de se executar, dificílimo de se descobrir, mas uma investigação eficacíssima pode desmascarar essas quadrilhas e sanar todos as dúvidas, pondo paz em tantas famílias que choram por suas crias.

O tráfico humano sempre foi uma ferida aberta, que sangra nas famílias e que figura nas literaturas. Há algum tempo, escrevi, neste mesmo jornal, a Literato “Desvalias”, na qual menciono a angústia de mães cujos filhos foram surrupiados. Muitos são casos que não deixaram pistas e continuam sem respostas. E quem assiste essas famílias? E como fica a mente dessas crianças? Como é desvendado esse assombro que assola o mundo? Por que ouvimos tanto querer sobre legalização de abortos e de drogas, mas não se vê ações eficientes contra vícios, tráficos e doenças, sobretudo as mentais?

O escritor brasileiro, Antônio Bosco de Lima, em sua obra literária “Quatrocantos”, apresenta diversos problemas que afetam a humanidade, dentre eles, o silêncio, a angústia, o vício, as emoções... Dentre os muitos contos, destaco “Messias Mackfields Jr.”, com foco no tráfico humano, na discrepância social e na desumanidade.

“A própria mãe ficara a pensar. Quem poderia ser o pai? Para que ele crescesse com mais segurança, mais lindo e limpo, a mãe resolveu vendê-lo a um casal norte-americano, os Mackfields. A enfermeira da maternidade acertara tudo. Por uma pequena comissão. Os Mackfields acharam-o muito lindo, tão lindo... Além de preencher seus corações, resultaria em lucro, pois ele era – como traduziu o intérprete – salvador do mundo. Pagaram duzentos dólares. A notícia dos dólares espalhou-se e os vários pais de John Mackfields Jr. logo [...]”.

Da arte ao cotidiano, do imaginário à leitura de mundo, deparamo-nos diariamente com “John Mackfields Jr.” em nossas ruas e vielas, atravessando civilizações inteiras, de geração em geração. A literatura vai encurtando trajetos e estabelecendo pontes entre consciência e realização, na expectativa de mais Saúde, mais empatia, mais Educação, mais Amor.

De murros em murros que a vida dá, deparo-me com uma dose de fitoterápico que se chama Mãe, remédio eficaz contra tantas mazelas. Mário Quintana escreve: “MÃE… / São três letras apenas [...] / E nelas cabe o infinito / [...] apenas menor do que Deus!”. Também Cora Coralina, com “Aninha e Suas Pedras”, diz: “Não te deixes destruir… / Ajuntando novas pedras / e construindo novos poemas. / Recria tua vida, sempre, sempre. / Remove pedras e planta roseiras e faz doces. Recomeça”. No vazio, sofrem os orfanofilhos.


*Este conteúdo é de responsabilidade do autor e não representa, necessariamente, a opinião do Diário de Uberlândia.
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