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06/05/2023 às 08h00min - Atualizada em 06/05/2023 às 08h00min

A Consciência de Imortalidade – Parte II

EDMAR PAZ JUNIOR
Foto: Reprodução/Internet
O Professor Olavo chama de consciência de imortalidade “a capacidade de enquadrar os atos que realizamos nesta escala de tempo naquela outra escala de tempo que prosseguirá para além da atual”. Ensina, assim, sobre as camadas do “eu”, que embasam e possibilitam nosso entendimento, não apenas sobre a obra, mas principalmente sobre as circunstâncias que se apresentam em nosso cotidiano. Interessante como, ao entendermos que, em certa medida, temos o dever de buscarmos aumentar nossa inteligência, melhoramos significativamente nossa percepção acerca da realidade, de modo que encontremos assim, não só os meios, mas bem mais os significados de nossas ações.

A primeira camada fala acerca do “eu presencial”, que remete à ideia daquilo que vivenciamos momentaneamente, ou seja, as estimulações que temos nesse instante, que são diferentes das que se manifestaram minutos antes; a segunda, o “eu social”, constitui a nossa presença na sociedade humana, as nossas relações com o conjunto dos seres humanos, e ainda que sofra muitas alterações ao longo da vida, tende a alguma estabilidade; já o terceiro, “eu biográfico”, surge quando contamos a história de nossa vida, seja para nós mesmos, recordando algo que fizemos ou que aconteceu, seja para outra pessoa ao fazer uma narrativa. Diz ainda que “certos acontecimentos de maior impacto podem requerer tratamento mais demorado e mais meticuloso, ao passo que outras épocas da vida, nas quais teriam ocorrido fatos de menor importância, às vezes podem ser narrados de maneira ligeira, mesmo no caso de se tratar de período de muitos anos. (...) Às vezes, coisas que você mal percebeu numa dada ocasião podem mais tarde se revelar extremamente importantes. (...) O passado não se alterou; alterou-se a narrativa, a interpretação que você faz dele.” 

Essas interpretações que fazemos de nossas experiências, certamente são moduladas por aquilo que carregamos – nossas experiências – em determinados momentos de nossas vidas. Em uma aula do Seminário de Filosofia, seu curso online, Olavo assevera que Inteligência e Fé caminham juntas, como uma espécie de dois lados da mesma moeda, em que quando uma não está, a outra surge. Acredito que significam a possibilidade, ao menos em princípio, de um entendimento sobre nossa existência. Não é exatamente o “saber de tudo”, mas a abertura de conhecer pelo menos o mínimo. Claro que aquilo que escolhemos consumir como alimento para nossa mente é determinante para que ao menos tenhamos uma chance dessa abertura: só podemos ter consciência do que está ao nosso alcance, ao alcance do “toque” da nossa mente, daquilo que temos contato constantemente, em suma, nos tornamos o que buscamos e vivenciamos. Nossa inteligência pode ser entendida assim: se a direciono e impulsiono a coisas melhores – Bom, Belo e a Verdade – o inverso é certo e a espiral decadente também.

Permeando essa questão da imortalidade, como uma espécie de efeito secundário, figura também o sentimento de continuidade, sendo aquele que nos impele a receber uma “herança” de nossos antepassados, cuidar e cultivá-la, para que continue sendo usufruída pelas próximas gerações. Nosso maior compromisso com o futuro da Humanidade, não é o “inventar” algo que salvará a todos, mas tão somente preservar e transmitir o que até hoje permitiu que a humanidade se desenvolvesse, não só material, mas principalmente espiritual e moralmente; essas características, por sua vez, são ampla e fascinantemente retratadas através das artes, que recontam e descrevem as virtudes e façanhas do Homem.

Retomar essa consciência – um paradoxo, na verdade, de que mesmo perene (materialmente), somos imortais (espiritualmente) –, que a princípio deve ser individual, para que, só então, possa ser pleiteado alguma mudança social, tem que ser visto como algo intrínseco à nossa evolução. Devemos sempre partir da ideia de que tudo começa pelo “pequeno”, ou seja, das partículas mínimas que irradiam para as maiores. 

Conhecer e desenvolver essa consciência, permite que fundemos e nos firmemos em bases sólidas de princípios, e que tenham a possibilidade de sobreviver à fragilidade do que é perecível com o tempo. “Só o conhecimento da história comparada das civilizações e culturas mostra, soba variedade alucinante das formas, a durabilidade da estrutura geral do espírito humano. E, como aquilo que se encontra sob risco de perda imediata na voragem das transformações forçadas é sobretudo a unidade mesma da autoconsciência de cada indivíduo – a fragmentação da cultura resultando em estilhaçamento das almas –, nunca foi tão importante conhecer as mutações históricas da imagem do ‘eu’ ao longo das épocas, para distinguir nela o que é acidental e transitório e o que é essencial, permanente e indispensável à defesa última da dignidade humana.”

Exemplo de como estamos “perdidos”, exatamente por conta dessa falta de princípios, é o que Ortega y Gasset narra, já na década de 1930: “Duvido que se possa entender o nosso Tempo sem antes se firmar bem nessa advertência (que nosso ‘tempo’ se acha melhor que os anteriores). Porque seu problema é precisamente esse. Se acaso tivesse decaído, veria outras épocas como superiores a ele, e isso seria uma e mesma coisa que estimá-las e admirá-las, e venerar os princípios que a formaram. Nosso tempo teria ideais claros e firmes, ainda que fosse incapaz de realizá-los. Mas a verdade é estritamente o contrário: vivemos em um tempo que se sente fabulosamente capaz para realizar, mas não sabe o que realizar. Domina todas as coisas, mas não é dono de si mesmo. Sente-se perdido em sua própria abundância. Com mais meios, mais saber, mais técnicas que nunca, o mundo atual acaba sendo o mais miserável que já houve: à deriva, nada mais.” 

Claro que a ideia de se conhecer, de ser um pouco menos pior a cada dia, e que passa naturalmente, e essencialmente, pelo desenvolvimento de nossa inteligência, deve ser posta em primeiro lugar; a consequência, porém, vista de uma forma mais ampla e simples, é justamente que o estímulo às práticas de virtudes e valores individuais proporcionam um melhor convívio em sociedade. Por isso, tão importante quanto o “salvar o planeta”, é antes o falar, ensinar e fortalecer princípios. 

A Consciência de Imortalidade, Olavo de Carvalho.


*Este conteúdo é de responsabilidade do autor e não representa, necessariamente, a opinião do Diário de Uberlândia.
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