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06/04/2023 às 08h00min - Atualizada em 06/04/2023 às 08h00min

Conectado

IVONE ASSIS
Há meio século, quem poderia imaginar que o mundo se tornaria conectado? Quando pensamos naqueles que nasceram em 1973, parece que foi ontem; e quando pensamos na tecnologia de 50 anos atrás, parece que foi há muitos milênios. É estranho o vínculo entre a percepção e o tempo, quando este é “medido” em relação a algum fato, pois sua mensuração é relativa.

Como nos ensina William Shakespeare “Contra a foice do tempo é vão combate”, porque o tempo é uma insaciável boca de uma fera faminta, que não escolhe sabores. A tecnologia, a meu pensar, é um dos maiores fofoqueiros do tempo. Nossos aparelhos celulares vão nos entregando aos fiscais do tempo.

Há 50 anos, quando o engenheiro Martin Cooper efetuou a primeira ligação de um mobile, nem ele imaginava que sua criação mudaria o mundo, para sempre. O mercado foi pessimista ao extremo, dizendo que o mundo não estava pronto para utilizar aquela “inutilidade”. Afinal, para que uma pessoa iria querer falar com outra que estivesse em movimento? Aquilo soava como “uma pedra no meio do caminho”. Mas o DynaTAC 8000X não “entrou em pane”, não se entregou à negatividade. Em pouco tempo, a tecnologia ganhou nova roupagem, e o celular caiu na graça do mercado consumidor. Foi assim que a Motorola se despontou na criação do primeiro dispositivo móvel, ao lado do senhor Cooper. Hoje, quando olhamos para a humanidade conectada, em que pessoas utilizam o celular como extensão de seu corpo, percebemos neste estranho relacionamento que, ironicamente, o tempo vai consumindo o consumidor, que está sempre em busca de inovação.

Se naquele 03/04/1973 o celular, com seus 1,1 kg e autonomia de 20 minutos, fez de Nova Iorque o centro das atenções com a histórica, e primeira, ligação móvel, hoje, esse mesmo celular, ao comando de um chip, faz do mundo um só espaço. Aos 94 anos, Martin Cooper, o pai dessa ideia fabulosa, e CEO da Arraycomm, continua a inovar o mundo, em busca de melhorias das redes wireless. Tecnologia, essa, que logo dará novo significado a este universo Indústria 4.0, que se desponta ao amanhecer da Quarta Revolução Industrial.

Mas, como nos ensina o poeta e diplomata João Cabral de Melo Neto, em seu poema “Tecendo a manhã”, publicado na “A educação pela pedra” (1966): “Um galo sozinho não tece uma manhã / ele precisará sempre de outros galos. / De um que apanhe esse grito que ele / e o lance a outro; de um outro galo / que apanhe o grito que um galo antes / e o lance a outro; e de outros galos / que com muitos outros galos se cruzem / os fios de sol de seus gritos de galo, / para que a manhã, desde uma teia tênue, / se vá tecendo, entre todos os galos [...]”.

É nesse tecer e amanhecer que vamos sobrevivendo à foice do tempo, anunciada por Shakespeare; que vamos removendo a pedra descoberta por Drummond; que vamos tecendo as manhãs com Melo Neto; que vamos adentrando na invenção de Cooper... até alcançar o amanhã. Enquanto a rede lançada pelos apóstolos vai enchendo os barcos, para que não falte alimento nem ao corpo, nem à alma; a rede de internet vai conectando as histórias, alinhavando passado e presente, para que a história não perca o rumo.

Com isso, vamos aprendendo com os esconderijos do tempo (1980), de Mário Quintana, que “A vida é uns deveres que nós trouxemos para fazer em casa. / Quando se vê, já são 6 horas: há tempo... / Quando se vê, já é 6ª-feira... / Quando se vê, passaram 60 anos... / Agora, é tarde demais para ser reprovado... / E se me dessem — um dia — uma outra oportunidade, / eu nem olhava o relógio / seguia sempre, sempre em frente... / E iria jogando pelo caminho a casca dourada / e inútil das horas”.

Não é o tempo que nos assombra, mas, sim, a falta de atitude diante da vida. Não é a tecnologia que está em excesso, e sim, a falta de amor. Não é a coragem que apaga os sonhos, porém o medo. Mas, acreditando, os sonhos podem se tornar realidade, tornando o homem, verdadeiramente, conectado.



*Este conteúdo é de responsabilidade do autor e não representa, necessariamente, a opinião do Diário de Uberlândia.
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