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01/04/2023 às 08h00min - Atualizada em 01/04/2023 às 08h00min

Inquérito do Fim do Mundo

EDMAR PAZ JUNIOR
Foto: Reprodução/Internet
Há algo acontecendo de anormal no subsolo jurídico do país. Na mesma linha de raciocínio de Sowell, de que tudo o que acontece na sociedade é pensado pelos intelectuais antes, as decisões judiciais, e as próprias leis, seguem uma tendência de entendimentos judiciais decididos nos tribunais. Há uma teoria no direito, chamada de tridimensional, do jusfilósofo brasileiro Miguel Reale, que entende o direito como uma junção de três fatores: fato, valor e norma. A grosso modo, quando há um fato na sociedade, ocorre a atribuição de um determinado valor à esse ocorrido, resultando dele uma norma ou não. Quando há uma lei – em decorrência do fato valorado pela sociedade – estaremos assim diante da formação daqueles fatores que compreendem o direito em sua essência.

Deveria, em regra, seguir um curso natural do desenvolvimento das relações humanas, mas, cada vez mais, o que vemos é, antes, uma espécie de direcionamento. Ao invés de percorrer o itinerário da teoria mencionada, vemos, ao mesmo tempo, a inversão dos fatores, quando colocam a norma antes dos fatos; a supressão do que a sociedade valora ou não, desprezando a realidade, e por fim, a imposição de uma vontade abstrata e que não condiz com as necessidades e anseios das pessoas.  

Essa aparente normalidade, disfarçada de “justiça social”, que diz querer equilibrar situações de desigualdades entre minorias, e agora a famigerada “defesa da democracia”, nada mais é que uma desculpa para implementar uma agenda social, que vem “empurrando” cada vez mais a sociedade em direção ao abismo do caos.

Esta obra reúne artigos de importantes e notáveis vozes do direito e jornalismo brasileiro, como por exemplo a Dra. Ludmila Lins Grilo, juíza do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, Marcelo Rocha Monteiro, Procurador de Justiça do Rio de Janeiro, e o jornalista Paulo Antônio Briguet, para mostrar o que de fato significa o inquérito 4.781/19, uma anomalia jurídica, popularmente conhecida como “Inquérito das Fake News”: um evidente modo de perseguir opositores políticos e ideológicos. 

Os autores mostram flagrantes ilegalidades que vêm ocorrendo desde o início dessa mistura de conceitos e institutos, um inquérito que começa como investigação de ordem policial, lastreado num artigo do Regimento Interno do STF – que embasa investigações de crimes ocorridos nas dependências do Tribunal – e se transforma num processo judicial – ninguém consegue demonstrar onde acaba a investigação policial e onde começa o processo judicial – que é capaz de prender qualquer pessoa. A descrição técnica que os juristas apresentam, sobre as formalidades e os deslindes desse fato, são de tal forma simples, que mesmo aqueles que não são do ramo jurídico conseguem entender. 

Existem muitas diferenças entre um inquérito policial e um processo judicial. De maneira simples, e até meio grotesca, um inquérito deve ser realizado por um Delegado de Polícia, para investigar um fato que ocorreu. Depois de colhidas informações, e confirmadas algumas suspeitas, aí sim, há o indiciamento, que mesmo assim, ainda não faz parte do processo judicial. A partir do indiciamento, o suspeito é notificado de sua condição, o que lhe permite tomar algumas atitudes em relação ao inquérito, desde fornecer explicações ao próprio Delegado, até pedidos judiciais para encerramento das investigações.

Outro ponto importantíssimo sobre o inquérito policial, diz respeito a estar relacionado sempre à um fato ocorrido, ou seja, o Delegado apenas pode abrir investigação sobre algo que aconteceu, e nunca sobre um fato futuro. Não é possível determinar um fato e instaurar uma investigação para esperar que o crime aconteça. Além de ser ilógico, foge completamente a qualquer espécie de direito que existe ou existiu, podendo encontrar semelhanças apenas em ditaduras e governos autoritários.

Já o processo judicial, é revestido de formalidades, tendo como principal característica o contraditório e a ampla defesa. Ou seja, tudo o que acontece durante o processo, as partes têm a possibilidade de se defenderem, produzindo provas e rebatendo as que foram produzidas. Nesse processo, as decisões são, em tese, menos discricionárias, por conta da figura imparcial do juiz, que não se coloca em nenhum dos polos da ação, mas sim decidindo de acordo com as provas que lhe são apresentadas. É como se as decisões nessa fase, fossem “menos” questionáveis, exatamente por conta das maiores rigorosidades que revestem o processo judicial.

Então de um lado, temos um inquérito, em que o Delegado pode tomar algumas decisões unilaterais, mais discricionárias, para investigar um suspeito, e do outro o processo judicial, revestido de formalidades, e em certa medida engessado, que pela imparcialidade do juiz, são decisões mais difíceis de se modificarem.  

O que acontece no inquérito 4.781, é justamente a mistura desses institutos, sem qualquer distinção entre as partes, que deveriam ser imparciais, justamente porque quem sofreu os “ataques” é o mesmo que investiga os suspeitos (papel do Delegado), que acusa (função do Ministério Público) e que também julga (figura de um juiz imparcial). Essa é apenas uma, dentre tantas ilegalidades dessa quimera jurídica, e considerar o sitio da internet como dependência física do Tribunal é mais um absurdo completo: qualquer lugar seria, assim, por equivalência, dependência de outro. 

Rasgaram de todas as formas o pano da realidade, e isso com a chancela dos grandes veículos de comunicação. “O jornalismo, cada vez mais opinativo e menos noticioso, depende sobretudo do que americanos chamam de stories: não mais uma descrição pura e objetiva de um fato, mas uma forma de cativar o leitor com determinados termos para, não raro, chegar a mobilizá-lo para que tome certa atitude”, diz Flávio Morgenstern. 

A Dra. Ludmila, tenta explicar o porque quem deveria lutar contra essa notória tirania, se cala, numa verdadeira espiral do silêncio. “A maior parte dos juristas se calou. Os motivos são os mais diversos possíveis: uns concordam e vibram com a perseguição aos detratores, já que não são muito afeitos a manifestações que contrariem suas sacrossantas convicções. Outros pretendem manter conduta passiva e subserviente para não serem rotulados de rebeldes ou coisa que o valha, afinal de contas, após a tormenta, almejam um posto ou um cargo qualquer que exige bondoso e prudente comportamento social – e não é lá muito recomendável desafiar os poderosos. Uma outra parcela de juristas, talvez a maioria, se calou pelo motivo mais prosaico – até mesmo bíblico – que se pode conceber no estudo das bizarras circunstâncias jurídicas atuais: o bom e velho medo.”

A falta de conhecimento é arma mais importante que aqueles que detém o poder utilizam, e cabe a quem pode, como por exemplo os autores da obra, informar e se manifestarem contra essas arbitrariedades. Entender o que está acontecendo no submundo togado, pode frear o avanço de uma verdadeira ditadura que já está presente nos dias atuais: a ditadura intelectual.

Inquérito do Fim do Muno, organizado por Cláudia R. de Morais Piovezan.


*Este conteúdo é de responsabilidade do autor e não representa, necessariamente, a opinião do Diário de Uberlândia.
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