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23/03/2023 às 08h00min - Atualizada em 23/03/2023 às 08h00min

“E agora, José?”

IVONE ASSIS
Desde 16 de novembro de 1999, o 21 de março ficou, oficialmente, declarado como o Dia Mundial da Poesia, cujo objetivo é dar suporte à multiplicidade linguística, uma vez que a poesia é a ponte que conecta as línguas por meio de manifestação da palavra livre à criação, sem preconceitos, e aberta a todos. Cabe-nos refletir sobre o valor desse poder da linguagem, fazendo uso e dando-lhe créditos, porque a poesia é mais que junção de palavras e ritmos, a poesia é grito e conhecimento de mundo.

Dos poetas clássicos aos contemporâneos, muitos fazem a diferença por sua escrita artística, cuja ferramenta principal é a palavra. Quem nunca ouviu falar em Shakespeare? Qual acadêmico não conhece Drummond? Qual academia desconhece Cora Coralina ou Cecília Meireles? O poeta junta as palavras, resumidamente, de modo a dar sentido na história, por meio da profundidade do imaginário.

O parnaso Olavo Bilac muito nos ensina com sua poética, sempre primando pela objetividade em seus poemas. Em seu soneto “Via láctea”, escrito para sua Amélia Oliveira, Olavo Bilac poetisa: “Ora (direis) ouvir estrelas! Certo / Perdeste o senso!” E eu vos direi, no entanto, / Que, para ouvi-las, muita vez desperto / E abro as janelas, pálido de espanto… // E conversamos toda a noite, enquanto / A Via Láctea, como um pálio aberto, / Cintila. E, ao vir do sol, saudoso e em pranto, / Inda as procuro pelo céu deserto. // Direis agora: “Tresloucado amigo! / Que conversas com elas? Que sentido / Tem o que dizem, quando estão contigo?” / E eu vos direi: “Amai para entendê-las! / Pois só quem ama pode ter ouvido / Capaz de ouvir e de entender estrelas.”

Dentre os seus muitos feitos, Olavo Brás Martins dos Guimarães Bilac (1865-1918), poeta, jornalista político, cronista e contista foi um dos membros fundadores da ABL – Academia Brasileira de Letras, na qual ocupou a cadeira 15. Bilac chegou a cursar quase quatro anos de Medicina e um ano de Direito, mas foi no Jornalismo que ele se encontrou, destacando-se no mundo da palavra por sua poesia. Bilac foi o letrista do Hino à Bandeira, sendo reconhecido tanto por sua atenção à literatura, como pela sua participação cívica.

Gonçalves Dias, que foi patrono da cadeira de Olavo Bilac na ABL, é outro clássico literário brasileiro, cujo poema destaque é o inesquecível “Canção do Exílio”, que diz: “Minha terra tem palmeiras, / Onde canta o Sabiá; / As aves, que aqui gorjeiam, / Não gorjeiam como lá. // Nosso céu tem mais estrelas, / Nossas várzeas têm mais flores, / Nossos bosques têm mais vida, / Nossa vida mais amores. // Em cismar, sozinho, à noite, / Mais prazer encontro eu lá; / Minha terra tem palmeiras, / Onde canta o Sabiá. // [...] Não permita Deus que eu morra, / Sem que eu volte para lá; / Sem que desfrute os primores / Que não encontro por cá; / Sem qu’inda aviste as palmeiras, / Onde canta o Sabiá”. Esse poema, escrito em 1843, traz em seu início uma referência ao Hino Nacional, composto em 1834, e faz todo sentido porque, à época, o poeta Gonçalves Dias se encontrava em Portugal a estudos. Assim sendo, escreveu o seu lamento de saudades de sua pátria, de sua casa.

E como não mencionar a icônica Cecília Meireles, cujo poema “Timidez” anuncia: “Basta-me um pequeno gesto, / feito de longe e de leve, / para que venhas comigo / e eu para sempre te leve…– mas só esse eu não farei. // Uma palavra caída / das montanhas dos instantes / desmancha todos os mares / e une as terras mais distantes…– palavra que não direi [...]”. Cecília se destacou nas artes da palavra, da pintura, do ensino... para mim, Cecília é a maior poetisa para a infância que este mundo já teve.

Ah, que falta fazem essas poesias que honram a língua portuguesa e faz o leitor viajar na beleza da escrita. Sinto saudade dessa poesia que nos faz suspirar e nos encanta. Como diria Carlos Drummond de Andrade, “E agora, José?”.



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