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11/03/2023 às 08h00min - Atualizada em 11/03/2023 às 08h00min

Conservadorismo III

EDMAR PAZ JUNIOR
Foto: Reprodução/Internet
Terminei o texto anterior falando sobre a filosofia de Edmund Burke, em relação ao conservadorismo. Quantas vezes, nas escolas ou universidades, vimos esse tipo de visão sobre os pensamentos de filósofos ou economistas dos séculos passados? Mais uma vez aqui, critico a forma como as informações chegam até nós. Na verdade, há um movimento velado, uma maneira obscura, de não permitir que determinadas ideias cheguem ao grosso da população, a não ser por um esforço quase heroico daqueles que desejam “pensar fora da caixinha”. Aquela ideia de que a educação liberta é real, e aqueles que detém o poder dos meios de informação e comunicações, acabam por, deliberadamente, cercear o acesso a esse tipo de conhecimento. O exemplo é muito fácil de se averiguar: praticamente todos os alunos das escolas públicas conhecem a foto de Karl Marx, mas não reconheceriam uma de Ludwig Von Mises. 

Continuando sobre a obra em comento, Scruton apresenta em um dos capítulos o impacto que o socialismo causa sobre a sociedade. Como também bem explica Sowell, as ideias socialistas, antes de proporcionar igualdade – como tão amplamente propagado – geram, na verdade, uma espécie de ressentimento profundo e o distanciamento cada vez maior, não apenas em relação às classes sociais, mas principalmente quanto à humanidade presente em cada indivíduo: é, em certa medida, a ideologia do egoísmo. Seria como se, ao pregar a ideia de igualdade irrestrita, cortássemos todas as flores de um jardim, pois elas não poderiam se destacar mais que as gramas.

Entrando na seara econômica, o filósofo cita Friederich von Hayek para demonstrar, através do exemplo da economia de mercado, como o socialismo influencia negativamente a sociedade. “A essência do argumento nesses três livros (Hayek) é o fato de que todas as tentativas de criar uma ordem social planejada, na qual mercadorias e oportunidades sejam distribuídas de acordo com alguma fórmula predeterminada, envolverão remover ou impedir a liberdade dos indivíduos de tomarem decisões por si mesmos. Além disso, ao remover a liberdade, o plano irá inspirar resistências e compelir as transações a se moverem para fora de seu controle, para um mercado negro ou um sistema privado de justiça. (...) enquanto em um mercado econômico todo indivíduo age sob restrições orçamentárias, em grande parte das democracias de regra, a maioria dos políticos não sofrem restrições similares ou, ao menos, não imediatamente; como consequência, as condições autorreguladoras do mercado não podem ser facilmente obtidas na esfera política.”
Mais uma vez entra aqui a questão que o autor insiste e demonstra, sobre como liberdade e igualdade não podem coexistir em harmonia. Além disso, mostra como os políticos geralmente não sofrem as consequências de ideias e políticas públicas ruins, pois seus resultados negativos são colhidos no médio e longo prazo, algum tempo depois que aqueles que foram beneficiados à época por algum programa governamental – e que normalmente retornam para suas condição anterior após intervenção estatal – o que faz com que culpem o governo atual, qualquer que seja, mesmo sendo aquele que lhe concedeu o benefício anterior.

Um outro ponto da obra trata da forma de se implantar um sistema que, empiricamente, não funciona e nunca funcionará, que passa essencialmente pela propaganda e pelos meios de comunicação, que endossam – obviamente abastecidos pelos cofres públicos – políticas públicas ineficientes e fadadas ao fracasso. “A fim de se justificar, o plano socialista recruta todas as instituições e mesmo a linguagem para seu propósito. Por exemplo: ele descreve a igualdade econômica forçada a que aspira como ‘justiça social’, mesmo que ela só possa ser obtida através da expropriação injusta de bens obtidos por meio de acordos livres. O verdadeiro sentido da justiça, argumenta Hayek, é o fornecido por Aristóteles e seguido por Ulpiano na compilação das leis romanas – a prática de dar a cada pessoa o que lhe é devido. Mas a sorrateira palavra ‘social’ suga o significado de ‘justiça’. A justiça social não é de modo algum uma forma de justiça, mas sim uma forma de corrupção moral. Significa recompensar as pessoas por comportamentos ineficazes, por negligenciarem seu bem-estar e o bem-estar de suas famílias, por não cumprirem contratos e por explorarem seus empregadores”. É um exemplo bem nítido que o autor apresenta, o candidato em plena corrida eleitoral, dizer que tiraria o nome de milhões de devedores do cadastro de inadimplência: é, no mínimo, o ápice da premiação pela irresponsabilidade. É preciso ter cuidado com essas ideias que, apesar de “sedutoras”, geram graves danos à longo prazo para uma sociedade que ainda busca se estabilizar econômica e culturalmente. 

É certo que todo o assunto não se esgota nessa obra, principalmente deste autor, que possui outros belíssimos escritos, de maneira que cada livro forma uma espécie de peça na engrenagem que vai se encaixando a cada página lida. Já dizia Mortimer Adler que, “para ler um livro, é preciso ler muitos outros”.

Na parte final do livro, o escritor apresenta um breve resumo do que o conservadorismo se tornou atualmente e de como a luta deve sair cada vez mais do campo da política e adentrar às universidades. Essa “trajetória” de pequenas mutações que o significado do termo passou ao longo dos séculos, é brilhantemente tratada aqui, e, se não nos faz repensar sobre nossa posição em relação a certos temas que acreditamos ser adeptos, pelo menos coloca indagações que servem de propulsores para novos estudos. 

“Em todas essas transformações, algo permaneceu imutável, a saber, a convicção de que as coisas boas são mais facilmente destruídas que criadas e a determinação de mantê-las em face de mudanças politicamente arquitetadas.”

O conservadorismo é a busca pela manutenção do que é bom para a sociedade, do sentimento de continuidade, da ideia de que temos um “pacto”, um contrato, não apenas com as gerações futuras, mas principalmente com aqueles que nos deixaram um legado para manter e uma história a continuar. Lastreado nas condições e circunstâncias que se apresentam ao nosso redor, tentamos fazer um juízo de valor do que é bom, belo e verdadeiro e daquilo que nos eleva pela humanidade real e não simplesmente a busca por uma sociedade perfeita e utópica.  



*Este conteúdo é de responsabilidade do autor e não representa, necessariamente, a opinião do Diário de Uberlândia.
 
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