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04/03/2023 às 08h00min - Atualizada em 04/03/2023 às 08h00min

Conservadorismo – Parte II

EDMAR PAZ JUNIOR
Foto: Reprodução/Internet
Muitas vezes brinco sobre a dificuldade de se condensar as ideias de um livro em poucas palavras: “se o autor precisou de 300, 400 páginas para explicar um conceito, como vou reduzi-lo à meros 2 ou 3 parágrafos?”. Por isso insisto na leitura das obras e faço aqui somente um apanhado daquilo que entendo ser mais importante em minha opinião – o que obviamente varia de individuo para individuo, a depender de cada visão de mundo. 

A partir do momento em que começamos a entender as bases do conservadorismo, podemos ir progredindo nos outros conceitos que são ligados à ele, e naquilo que lhe opõe resistência, já que só conseguimos defender o que conhecemos. O escritor britânico nos explica, com um apanhado geral desde a idade média, o que os dois principais conceitos, “liberal” e “conservador”, defendiam. Esse é um dos pontos interessantes, já que a maioria das pessoas “acompanharam” o desenvolvimento do termo liberal, mas ainda permanece enraizado na ideia de que o conservador quer a imutabilidade a todo custo. 

O que acho admirável nas obras de Scruton, é a maneira como ele passeia com extrema facilidade pelos pensamentos de outros escritores, contemporâneos ou não, e consegue sintetizá-los de forma simples e acessível à quem lê; utiliza seus próprios argumentos para dotá-los de uma certa razão, mas depois os desmitificam com fatos que corroboram sua posição conservadora. 

O filósofo ensina que a posição de liberais e conservadores, antes sendo completamente opostas, após John Locke passou a ser vista apenas como uma divisão interna de um conceito de soberania popular, e que, para entender o conservadorismo moderno como movimento político, é preciso entender alguns elementos que ambos concordam: a necessidade de um governo limitado, instituições representativas e separação dos poderes, além de acreditarem nos direitos básicos do cidadão, que deviam ser defendidos contra a administração de cima para baixo do Estado coletivista moderno.

Essa é uma das questões que confundem as pessoas atualmente, justamente porque o termo liberal é utilizado de duas maneiras conflitantes: de um lado, denota a política e filosofia da liberdade individual como defendidas por Locke e seus seguidores, e do outro, as ideias e políticas “progressistas” que emergiram na esteira do socialismo moderno. As duas ideias pertencem a narrativas contrastantes de emancipação. Como explica, “o liberalismo clássico fala do aumento da liberdade individual contra o poder do soberano. O socialismo fala da igualdade cada vez maior promovida pelo Estado à custa das entrincheiradas hierarquias do poder social. Os revolucionários franceses foram à luta com um slogan que prometia liberdade e igualdade ao mesmo tempo. A história subsequente pode sugerir que, na prática, esses dois objetivos são incompatíveis ou, ao menos, coexistem em tensão radical.” 

Ao explicar os escritos de Adam Smith, Scruton diz que foi a partir de suas obras que surgiu o insight para o que entendemos como conservadorismo intelectual, e que o retrato da sociedade civil pintada por ele se tornou fundamental para a visão conservadora de nosso tempo. Smith reconhece que a sociedade é composta de indivíduos agindo livremente, “mas que a liberdade traz consigo a responsabilidade, fundada em sentimentos de simpatia que fazem com que tentemos observar nossas condutas e as condutas alheias a partir do ponto de vista de um juiz imparcial (...). O conservadorismo também defende, portanto, limites à liberdade. E aqui, no potencial conflito com a visão liberal extrema que valoriza liberdade acima de todas as outras coisas e se recusa a estabelecer limites para seu exercício, encontramos uma das principais questões políticas de nosso tempo.”

O autor prossegue ainda falando acerca da “mão invisível” ensinada por Smith – em que a economia de mercado, embora não sem malefícios, tem uma tendência natural ao equilíbrio – dizendo que seus efeitos não são observados apenas na esfera econômica. Fala sobre a beleza dos vilarejos locais como sendo subproduto involuntário do desejo por abrigos duráveis ao menor custo possível; a paz entre as nações como subproduto involuntário do comércio entre seus cidadãos; e assim por diante, com consequências não intencionais, mas reproduzíveis, tanto boas quanto más. Diz que Smith sugere que “não é o Estado, mas sim a sociedade civil – as associações livres entre indivíduos – que contém a solução para prementes problemas coletivos, e que, consequentemente, não é controle estatal, mas a liberdade individual que se faz necessária para que a grande sociedade obtenha sucesso.” 

Caminhando um pouco mais, Scruton analisa o pensamento do maior filósofo conservador da era moderna: Edmund Burke. Na obra “Reflexões sobre a revolução francesa”, percebe, com espanto, o quanto Burke conseguiu compreender a essência das coisas e prever o seu desenrolar, mostrando a diferença elementar entre a revolução americana e a francesa: o fato de que esta fora imposta de cima para baixo, por uma “cabala literária”.

“Burke reconhece que a liberdade está sempre em risco e deve ser protegida pela lei. E afirma claramente que a sociedade moderna deve ser politicamente organizada, com um governo até certo ponto independente de laços religiosos, tribais e familiares. Mas defende a religião e a família como formas de sabedoria coletiva e rejeita o individualismo extremo que se recusa a reconhecer o papel indispensável desempenhado pelo pertencimento social no exercício da escolha livre e racional. Seu argumento faz uma defesa detalhada e sutil da herança social que possibilita a soberania popular, contra os intelectuais que, em nome do povo, desejam destruir todas as leis e instituições estabelecidas. 

Burke rejeitou a ideia liberal de contrato social como acordo entre pessoas vivas. A sociedade, argumentou ele, não contém apenas vivos, sendo uma associação entre os mortos, os vivos e os não nascidos. Seu princípio vinculatório não é um contrato, mas algo parecido com uma tutela. É uma herança partilhada em benefício da qual aprendemos a circunscrever nossas demandas, ver nosso lugar na ordem das coisas como parte de uma cadeia contínua de dar e receber, e reconhecer que as coisas boas que herdamos não são nossas para desperdiçar, devendo ser salvaguardadas para nossos dependentes. Há uma linha de obrigação que nos conecta àqueles que nos deram o que temos, e a nossa preocupação com o futuro é uma extensão dessa linha. Levamos em consideração o futuro de nossa comunidade não por fictícios cálculos de custo-benefício, porém, mais concretamente, ao nos vermos herdando benefícios e passando-os adiante. A preocupação com as gerações futuras é uma consequência não específica da gratidão. Ela não realiza cálculos, porque não deve e não pode fazê-lo.”

Assim, temos uma linha geral – porque, mesmo este sendo grande parte do conceito de conservadorismo, não se resume a isso – do que o conservador tem como essência: a defesa de um sentimento de continuidade. 

Conservadorismo, Roger Scruton.



*Este conteúdo é de responsabilidade do autor e não representa, necessariamente, a opinião do Diário de Uberlândia.
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