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25/02/2023 às 08h00min - Atualizada em 25/02/2023 às 08h00min

Conservadorismo

EDMAR PAZ JUNIOR
Foto: Reprodução/Internet
Já comentei mais de uma vez, inclusive nessa coluna, sobre como, ao buscarmos entender e promover a verdade, nos deparamos com ela nos mais variados assuntos, épocas e autores distintos, e novamente pretendo dividir o estudo do livro em partes, pois também se faz necessário entrar em alguns pormenores. Eis que, na Ortodoxia, de Chesterton, encontramos um “gancho” para adentrar na obra Conservadorismo, de Roger Scruton. A bem da verdade, a Igreja é componente essencial do pensamento conservador, justamente, entre outras, pela crença de algo perene, de uma consciência de imortalidade intrínseca ao nosso modo de pensar, de agir e, principalmente, de Ser. 

Indo um pouco mais além, a base do que reconhecemos por sociedade está indissociavelmente ligada ao cristianismo e à forma como a Igreja pregou a convivência com o próximo. O que Scruton usa das obras de Chesterton é justamente a crítica que o ensaísta inglês faz contra os inimigos do catolicismo, que são os mesmos que desejam uma sociedade “perfeita”. 

Esse é um dos pontos principais do conservadorismo – o fato de não haver possibilidade de perfeição em uma sociedade – premissa a partir da qual, entendemos ser necessárias intervenções mínimas na vida das pessoas. A raiz da ideia progressista/esquerdista é a de que é possível produzir uma sociedade igual e livre, bastando para isso impor essa concepção ideológica, de cima para baixo, claro. Sempre que ouvimos a teoria de Hobbes na universidade, ou em qualquer outro lugar, falando sobre como o homem, quando livre, se torna “mau”, num primeiro momento até tendemos a concordar e aceitar essas ideias de que os indivíduos são imutáveis, mas esquecemos que nós, como humanidade, temos condições de superar esse estado natural ao fazermos escolhas racionais e concordarmos com benefícios mútuos. 

Essa questão de empurrar “goela a baixo” determinadas ideias, só funcionam dessa forma – exatamente por não ser algo natural – e, quando em seu modo mais banal, racionalizado, são impossíveis de se conceber. Igualdade e liberdade são inalcançáveis conjuntamente, resultando de sua busca apenas tirania e autoritarismo em seus graus máximos. “A soberania criada pelo contrato social não será parte do contrato, mas gozará de poder absoluto para impô-lo contra aqueles que tentarem ignorá-lo ou renega-lo.”

O que Scruton busca nessa obra, mais uma vez atingindo com maestria seu objetivo, é a explicação e, principalmente, a reorganização dos significados de alguns conceitos ao longo dos últimos séculos. Tanto a ideia sobre o que e quem eram, conservadores, liberais e progressistas, mudaram de uma época para outra, assim como também se confundiram de um país para outro.

A compreensão de tais termos nos ajuda a fugir de certas armadilhas que nos são impostas, através da linguagem, por aqueles que desejam e buscam o controle da sociedade. Muitas vezes desejamos realizar grandes obras, feitos de grandes impactos na vida das pessoas que estão à nossa volta, mas esquecemos que são nas pequenas coisas que formamos a base de grandes acontecimentos. Do mesmo modo que essa pequena exortação serve como uma espécie de guia para nossa vida, há também sentido nesse entendimento sobre as formas de uma educação calcada na realidade. Como disse Edmund Burke, “um povo que não conhece sua história está fadado a repeti-la”. Assim, se pretendemos trilhar um caminho de uma sociedade que efetivamente produza bons resultados, devemos olhar para nossas raízes e “separar o joio do trigo”, observando o que podemos aproveitar ou não daquilo que passou.

Já no início da obra, Scruton insinua uma diferença elementar sobre o conceito do que seja conservadorismo: “Embora a atitude conservadora seja instintiva, o conservadorismo como filosofia política é um fenômeno recente, surgido durante o curso de três grandes revoluções – a Revolução Gloriosa de 1688, a Revolução Americana que terminou em 1783 e a Revolução Francesa de 1789.” O escritor mostra assim, que há distinção entre conservador como “modo de ser” e como instinto de sobrevivência, este último que muitos entendem como sendo o seu significado atual, acreditando que o conservador quer “apenas” manter as coisas “velhas”, como eram antes, sem o aproveitamento do houve e há de bom na nossa sociedade. 

Outro ponto que muitas vezes nos escapa – e como sendo uma espécie de gênese da ideia, sua concepção errônea provoca uma desvirtuação quase que completa do que significa o conceito como um todo – é precisamente aquilo que o autor entende como pressupostos de uma sociedade: “Nós, seres humanos, vivemos naturalmente em comunidades, unidos por laços de confiança mútua. Precisamos de uma casa partilhada, um lugar seguro no qual nossa ocupação permaneça indisputada e possamos pedir a ajuda de outros em caso de ameaça. Precisamos de paz com nossos vizinhos e procedimentos que a assegurem. E precisamos de amor e da proteção fornecidos pela vida familiar. Revisar a condição humana em qualquer um desses aspectos é violar imperativos enraizados na biologia e nas necessidades da reprodução social.

Mas conduzir um argumento político como se esses fatores estivessem longe demais do reino das ideias para merecer menção é ignorar todos os limites que devemos ter em mente se quisermos que nossa filosofia política seja remotamente plausível. É precisamente o caráter das utopias modernas ignorar esses limites – imaginar sociedades sem lei (Marx e Engels), sem famílias (Lang), sem fronteiras ou defesas (Sartre). E muita tinta conservadora foi desperdiçada na refutação de tais visões, adotadas somente por pessoas incapazes de perceber a realidade e que, consequentemente, jamais serão persuadidas por argumentos”.

É como Sowell disse uma vez, “geralmente é inútil tentar apresentar fatos e análises para pessoas que desfrutam de um senso de superioridade moral em razão de sua ignorância”. Falamos assim, então, para aqueles que desejam conhecer mais sobre a realidade de nossas vidas e não apenas produzir uma perfectibilidade alcançável apenas de forma abstrata. A realidade bate à porta, e buscar saber e entender sobre seus significados nos permite, no mínimo, ter consciência de nossos atos.  

Conservadorismo, Roger Scruton. 



*Este conteúdo é de responsabilidade do autor e não representa, necessariamente, a opinião do Diário de Uberlândia.
 
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