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11/02/2023 às 08h00min - Atualizada em 11/02/2023 às 08h00min

Ortodoxia – Parte I

EDMAR PAZ JUNIOR
Foto: Reprodução/Internet
Cronologicamente escrito antes de “O Homem Eterno”, Chesterton usa dessa obra para, como fez Gustavo Corção, tratar sobre sua conversão ao Catolicismo. Contudo, um pouco diferente da prosa tupiniquim de Corção, que também é esplendorosa, aqui o ensaísta usa, em certa medida, de elementos mais objetivos para apresentar as Belezas da Igreja.

Há um ponto muito interessante, que reafirmo constantemente em meus escritos, que se trata de como a Verdade sempre se apresenta, quando de sua busca sincera, nas mais distintas obras, épocas e autores: muda-se o modo de dizer, mas o que de fato deve emergir, sempre o faz. Mesmo em assuntos que não tem correlação alguma, como por exemplo uma obra que discorra sobre filosofia comportamental e a decadência da nossa civilização, como a Rebelião das Massas, de Ortega Y Gasset, e outra que fala sobre Cristianismo, como na obra de C.S. Lewis, podemos percebê-lo. O escritor espanhol diz que, “sempre se esquece de que todo autêntico dizer não só diz algo, mas que alguém disse algo a alguém. Que em todo dizer há um emissor e um receptor, e que eles não são indiferentes ao significado das palavras. Esse varia quando elas variam. Duo si idem dicunt, non est idem (Mesmo que dois digam a mesma coisa, não dizem o mesmo). Toda palavra é circunstancial.”

Interessante como Chesterton se coloca em posição inferior, o que na realidade demonstra sua humildade como escritor, virtude essencial daqueles que buscam e dizem a verdade. “Pode ser, que Deus me perdoe, que eu tenha tentado ser original, mas só consegui inventar uma cópia inferior das tradições existentes da religião civilizada.” Gosto de pensar que é quase impossível escrever sobre algo novo, porque, de certo modo, quase tudo já foi escrito. Contudo, há inúmeras formas de falar sobre o mesmo assunto, como por exemplo o cristianismo. Como dizia o candidato a beato catarinense, Marcelo Câmara, “a Igreja é una, mas absolutamente plural em suas expressões.”

Em um outro ponto, quando Chesterton fala sobre a maneira como enxerga o mundo, com uma espécie de escritor que produz a nossa vida, deixa uma ideia nítida de que o que vivemos não se limita ao que vemos. Quando olhamos para tudo o que realizamos e, de um certo modo, buscamos entender o sentido das coisas que nos acontecem, quando queremos os “porquês”, as peças começam a se encaixar apenas ao olharmos para a história de Cristo. É realmente como se fosse algo pensado, programado, para que usássemos esse tempo aqui na Terra para nos aperfeiçoarmos. Como diz Santo Agostinho, há uma espécie de inquietação em nosso coração que só pode ser preenchida por algo que não existe no mundo, justamente porque nada aqui consegue nos completar.

“Sempre entendi, de modo vago, que os fatos eram milagres no sentido de que são maravilhosos; agora comecei a pensar neles como milagre no sentido mais estrito de que eram deliberados. Quero dizer que eles foram ou podem ser exercícios repetidos de alguma vontade. Em suma, sempre acreditei que o mundo envolvia magia; agora passei a pensar que talvez envolvesse um mágico. E isso apontava para uma profunda emoção sempre presente e subconsciente: que este nosso mundo tem algum propósito; e, se há um propósito, há uma pessoa. Sempre senti a vida em primeiro lugar como uma história: e, se há uma história, há um contador de histórias.”

O autor, crítico de ideologias que colocam o homem como centro do mundo, ainda mostra como alguns “historiadores” e pensadores modernos tentam, em vão, justificar a evolução, o crescimento e o amadurecimento da inteligência humana fora da religião, mais uma vez como se tudo o que podemos ser fosse limitado ao que há no plano terrestre.

“As teorias do contrato social do século XVIII foram expostas a críticas muito grosseiras em nosso tempo; ao sugerir que por trás de todo governo histórico havia uma ideia de contentamento e cooperação, essas críticas estavam demonstravelmente certas. Mas elas estavam erradas ao sugerir que os homens sempre haviam objetivado a ordem ou a ética diretamente por uma troca consciente de interesses. A moralidade não começou com um homem dizendo a outro: “eu não vou bater em você se você não me bater”; não há nenhum traço de transação assim. Há um traço de ambos os homens dizendo: “não devemos nos agredir no lugar sagrado”. Eles ganharam sua moralidade guardando sua religião. Eles não cultivaram coragem. Eles lutaram pelo santuário e perceberam que haviam se tornado corajosos. Eles não cultivaram a limpeza. Eles se purificaram para o altar e perceberam que estavam limpos.”

Tentar dizer que a base do desenvolvimento humano e da sociedade é outra que não a religião, e posteriormente o cristianismo, é quase a mesma coisa que, guardada as devidas proporções, pregar que comer apenas miojo no jantar é nutritivo e suficiente: pode até saciar a necessidade do momento, mas não funciona para uma vida saudável.

Ortodoxia, G.K. Chesterton.



*Este conteúdo é de responsabilidade do autor e não representa, necessariamente, a opinião do Diário de Uberlândia.
 
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