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21/01/2023 às 08h00min - Atualizada em 21/01/2023 às 08h00min

A Rebelião das Massas – III

EDMAR PAZ JUNIOR
Foto: Reprodução/Internet
Continuando com o estudo proposto, essa homogeneização das massas, que exerce uma força “centrífuga” para baixo, foi precedida de mecanismos que, talvez por ainda não estar claro o suficiente à época de Gasset, demonstra a deliberada ação de agente externos, como se realmente fosse algo “produzido”. Foi largamente implantada a ideia de que todos têm direitos, como definitiva.  

Essa nova massa, ao nascer, já encontra uma plena liberdade de vida como algo estabelecido, sem nenhum vínculo especial. Não existe nada que a impele a reconhecer limites estabelecidos de fora do seu ser, quanto mais de instâncias superiores. “Ingenuamente, sem querer ser presunçoso, como a coisa mais natural do mundo, tenderá a afirmar e a ter como bom tudo o que há em si: opiniões, apetites, preferências ou gostos”, escreve o escritor. 

Não consigo dissociar a ideia de que estas instâncias superiores a que o autor se refere, são inescapavelmente relacionadas ao cristianismo. É como se apenas isso fizesse sentido às suas palavras, pois quando somos ensinados no catecismo sobre como amar a Deus, a própria ideia de que Ele nos “limita” se torna um pouco equivocada, pois alguns confundem a ideia de sacrifício com perda, o que definitivamente não é o que ocorre. Quando decidimos, por exemplo, por fazer uma penitência ou entregar nossa Inteligência para Deus, sentimos exatamente o inverso do que propalado: é como se literalmente nossa mente se abrisse e conseguisse absorver uma quantidade bem maior de conhecimento ou por menor que seja a mortificação que nos impomos, sentimos a sensação de liberdade. Ou seja, quando nos propomos a considerar essa instância superior que Gasset cita, é na verdade um “acreditar”, pela Fé, de que existe algo além de nossas vidas e que se seguirmos certos preceitos, seremos libertos.

Aqui entra também uma questão que tem se mostrado bem “fora de moda” atualmente, como se não fosse algo substancial para nossa existência, que é justamente a ideia de se ter um propósito. O filósofo deixa nas entrelinhas um chamado Cristão, que precisa ser entendido como um dever, e não apenas como obrigação.

“O homem-massa jamais apelaria a nada fora dele se a circunstância não o forçasse violentamente. Como agora a circunstância não lhe obriga, o eterno homem-massa, seguindo sua índole, deixa de apelar e se sente soberano de sua vida. Inversamente, o homem seleto ou excelente está constituído por uma necessidade íntima de apelar de si mesmo a uma norma que está além dele, que é superior a ele, a cujo serviço se põe livremente”. Eis aqui uma das grandes máximas da Caridade Cristã, que é exatamente o Amor sem desejar nada em troca e se doar, servir, sem esperar aplausos do mundo. E continua, “Recordem que no começo distinguíamos o homem excelente do homem vulgar, dizendo que aquele é o que exige muito de si mesmo, e este o que não se exige nada, que se contenta com o que é e está encantado consigo – É intelectualmente massa aquele que, diante de um problema qualquer, se contenta com pensar o que encontra facilmente em sua cabeça. Ao contrário, é egrégio o que desestima o que encontra sem prévio esforço em sua mente, e só aceita como digno de si o que ainda está acima dele e exige um novo estirão para alcançá-lo. Contra o que se costuma crer, é a criatura da seleção, e não a massa, quem vive em servidão essencial. Sua vida não terá sentido se não consistir no serviço a algo transcendente. Por isso não sente a necessidade de servir como uma opressão. Quando ela, por azar, lhe falta, sente desassossego e inventa novas normas mais difíceis, mais exigentes, que lhe oprimam. Isso é a vida como disciplina – a vida nobre.”

Existem ainda outras duas ideias que podemos inferir desse trecho: a necessidade de que o homem seleto ou excelente, se guie sempre por princípios bons, elevados e que o direcione para a Verdade; e a de que aqueles que não conhecem a origem de suas ideias são muito facilmente manipuláveis – por isso Gasset diz que o homem-massa se “contenta com o que é e está encantado consigo”. Todos nós somos influenciáveis, e quando descobrimos as origens de nossos pensamentos, adquirimos o poder de direcioná-los para onde quisermos.

“Hoje, ao contrário, o homem médio tem as ‘ideias’ mais taxativas sobre tudo o que acontece e deve acontecer no universo. Por isso perdeu a audição. Para que ouvir, se já tem tudo dentro de si? Já não é tempo de escutar, mas, ao contrário, de julgar, de sentenciar, de decidir. Não há questão de vida pública na qual não intervenha, cego e surdo como é, impondo suas opiniões”.

Eis um pequeno retrato do Brasil atual, o país onde todo mundo tem que ter opinião. 

No próximo texto, quero apresentar o conceito que Ortega y Gasset desenvolve sobre como nossa vida se assemelha a dos náufragos e também sobre um fenômeno que acredito existir no Brasil, a síndrome de autoridade. 

A Rebelião das Massas – III 



*Este conteúdo é de responsabilidade do autor e não representa, necessariamente, a opinião do Diário de Uberlândia.

 
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