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14/01/2023 às 08h00min - Atualizada em 14/01/2023 às 08h00min

A Rebelião das Massas – II

EDMAR PAZ JUNIOR
Foto: Reprodução/Internet
Propus semana passada o estudo um pouco mais aprofundado dessa obra e terminei o texto anterior falando sobre o conceito de massas do filósofo. É interessante como o autor nota o que chama de fenômeno da aglomeração, e elenca suas possíveis causas. A ascensão das massas, ou a aglomeração nos ambientes públicos onde, diz o escritor, está sempre cheio, em todos os lugares, principalmente porque essas massas – que, como bem explica, não se trata das “massas operárias”, mas daquela parcela da sociedade de pessoas que não têm “qualificação”, e isso não os determina como pobres ou ricos – começaram a frequentar os lugares que apenas a minoria frequentava, e contraria em larga medida aqueles que condenam o processo da revolução industrial. 

A ala progressista – que na verdade se disfarça através do nome que se auto alcunham, se colocando como arautos do “desenvolvimento humano”, mas que não passam de usurpadores de desgraça alheia – sempre venderam a ideia de que o processo histórico do êxodo rural, fortalecido pela grande quantidade de oportunidade de trabalho nas fábricas, produziu uma imensa massa de pobreza. Era a “escravização” das massas em troca dos lucros dos patrões.

Contudo, como Gasset observa, não foi exatamente o que aconteceu. Com condições bem mais favoráveis, tanto alimentícias, quanto habitacionais, o que se viu foi o aumento significativo dos integrantes das famílias, a diminuição considerável de morte infantil e o aumento da expectativa de vida da população. Se, como alguns acusam, começaram a surgir doenças distintas de quando a maioria da população morava em zonas rurais, pela lógica de raciocínio, doenças que antes existiam nas zonas rurais também deixaram de existir; na mesma linha, dizem, que as pessoas eram mais “livres” em suas fazendas, do que nos grandes centros urbanos. Ora, se os fatos demonstram que a humanidade nunca viveu tão bem pós Revolução industrial, o que eles queriam, na verdade, era privá-los de tais benesses. 

Mesmo assim, com essa melhora significativa da qualidade de vida, a grande massa foi empurrada para o “mundo” sem qualquer preparo ou condicionamento intelectual: as escolas passaram a formar apenas decoradores de técnicas e não mais qualificações; prezou-se pela quantidade de formados, não pela qualidade. Esse “vácuo mental”, foi muito bem percebido e utilizado pelos progressistas, que enxergaram uma possibilidade de exercer o domínio sobre a população sem o uso da força, bastando ensinar, ou melhor, fazer esquecer que todo direito é precedido de um dever: rompeu-se a ligação com o passado e passamos a acreditar que tudo “caiu do céu”. 

Em um outro trecho no Prólogo para os franceses, o filósofo dá uma direção do que o homem-massa se torna, quando já completo no seu processo de desumanização, que fica mais claro quando lemos o conceito de sua ideia posteriormente. “Esse homem-massa é o homem previamente esvaziado de sua própria história, sem entranhas de passado e, por isso mesmo, dócil a todas as disciplinas chamadas ‘internacionais’. Mais que um homem, é só uma carapaça de homem constituído por meras idola fori (ídolos do mercado); carece de um ‘dentro’, de uma intimidade sua, inexorável e inalienável, de um eu que não se possa revogar. É consequência disso que esteja sempre disponível para fingir ser qualquer coisa. Só tem apetites, crê que só tem direitos e não crê que tem obrigações: é o homem sem a nobreza que obriga – sine nobilitate (Sem nobreza) –, snob.”

É perceptível, para olhares atentos, a decadência da cultura no Brasil a partir da década de 70 – pois como bem explica Flávio Gordon, no seu “A Corrupção da Inteligência”, o processo de tomada da cultura pelos progressistas, teve início em 1968 no Brasil, e como praticamente tudo o que tocam “dá ruim”, numa verdadeira maldição de Midas  – tendo sua virada mais acentuada, sua guinada à esquerda, no fim dos anos 70. Se as massas por si mesmas já se encaminhavam para essa homogeneização nivelada por baixo, esse processo foi inescrupulosamente guiado e acelerado pelo pessoal da esquerda. Criaram-se pessoas que se sentem donas do que a humanidade levou séculos para conseguir, mas que por simplesmente terem tudo à mão, não reconhecem o custo que foi pago pelas gerações passadas. 

“Duvido que se possa entender o nosso tempo sem antes se firmar bem nessa advertência (que nosso “tempo” se acha melhor que os anteriores). Porque seu problema é precisamente esse. Se acaso se sentisse decaído, veria as outras épocas como superiores a ele, e isso seria uma e a mesma coisa que estimá-las e admirá-las, e venerar os princípios que as formaram. Nosso tempo teria ideais claros e firmes, ainda que fosse incapaz de realizá-los. Mas verdade é estritamente o contrário: vivemos em um tempo que se sente fabulosamente capaz para realizar, mas não sabe o que realizar. Domina todas as coisas, mas não é dono de si mesmo. Sente-se perdido em sua própria abundância. Com mais meios, mais saber, mais técnicas que nunca, o mundo atual acaba sendo o mais miserável que já houve: à deriva, nada mais.”

A nossa geração, exatamente por ter tudo, não consegue entender, seja porque nós mesmos não fomos ensinados a valorizar e prestigiar o passado, aquilo que foi conquistado com muito mais erros que acertos, ou simplesmente porque não derramamos nenhuma gota de suor para conseguir algum avanço, que o fato de recebermos uma “herança” boa, não significa que devemos depredá-la e dilapida-la sem se preocupar com o amanhã. 

A Rebelião das Massas, José Ortega y Gasset.


*Este conteúdo é de responsabilidade do autor e não representa, necessariamente, a opinião do Diário de Uberlândia.
 
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