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12/01/2023 às 08h00min - Atualizada em 12/01/2023 às 08h00min

Mistérios

IVONE ASSIS
Afinal, quem não gosta de tentar desvendar um bom mistério?

São muitas as literaturas que buscam direcionar o leitor para o caminho da análise e da compreensão dos gêneros literários, mas, quando se trata de Mistério, aí é mistério. É comum a obra adicionar valores humanos, sociais e culturais, sob uma variedade de percepção, o que poderá servir como pistas identitárias, sobretudo se se considerar o contexto da autoria, mas, confesso, analisar textos narrativos ficcionais, bem como suas diferentes formas de composição, é um enigma. Ainda mais se o gênero literário for o tal Mistério.

Para tanto, o crítico vai pinçando os recursos coesivos, o léxico, o tempo, a cultura das personagens (se é que posso assim intitular), e na somatória de tudo, o leitor corre o risco de se aproximar do sentido. É certo que o crítico bate o pé e defende sua tese, mas, no fundo, nem ele mesmo tem certeza do que defende. Espero não ser “apedrejada” por essa desconfiança. O fato é que o discurso, o tempo verbal, o léxico, a variedade linguística e outros sinais vão aplicando rastros que possam desvendar o gênero de cada texto.

Depois, o leitor segue engajando-se na aventura Sherlokiana, na convicção de enxergar além do óbvio, e respaldado por sua imaginação, trilha sobre as verossimilhanças imaginárias ou não, até encontrar uma entonação que possa fazê-lo crer que desvendou ou mistério, o que não implica em verdade. Quando li “O abraço”, de Lygia Bojunga, foi um processo de releituras e descobertas sem-fim, até que cheguei à conclusão socrática de que “só sei que nada sei”. Pois, quanto mais imaginamos descobrir, mais possibilidades e mistérios se juntam. É o inesgotável, bem como encontramos e Edgar Allan Poe, em “Berenice e a máscara da morte rubra”; ou “Cabelos molhados”, de Luís Pimentel; “As formigas”, de Lygia Fagundes Telles; “O chão em chamas”, de Juan Rulfo e outros tantos textos fantásticos, que formam a literatura mundial.

Como escreveu Tzvetan Todorov, “O fantástico representa uma experiência dos limites”. Ou Nádia Battella Gotlib (1988, p. 18) escreve: “O que faz o conto – seja ele de acontecimento ou de atmosfera, de moral ou de terror – é o modo pelo qual a história é contada”.

Ao ler o conto “A visitante dos dias vinte”, de Jax, na obra “De volta a Ibitinema: com novas histórias na bagagem” (Lisboa: Astrolábio, 2022, p. 133-139), deparei-me com o mistério do sumiço da mãe de Eunice, uma órfã que não aceita a perda da mãe e, misteriosamente, é visitada por uma figura feminina, que lhe parece familiar, cujas visitas são mensalmente feitas no dia 20 de cada mês, tendo sido iniciadas as visitas 30 dias após a partida da mãe. A mulher (des)conhecida levanta suspeitas sobre a “causa mortis” da mãe de Eunice, fazendo-a desconfiar de todos em seu entorno.

Ao fim, “já perdera a conta de quantas visitas dela recebera. O tempo voa...”, aqui o leitor tem uma ideia do espaço/tempo que Eunice vive enclausurada em sua dor. Mas a visitante para com as visitas. Teria Eunice superado a dor? Eunice “tem sonhos confusos com a visitante e a mãe. Ora morre uma, ora morre a outra”, até que ambas desaparecem. / Ofegante, com falta de ar, a órfã parte em seu encalço. Nesse dia 20, é sua vez de converter-se em visitante”. Jax não dá uma resposta. O leitor não sabe se a dor se transformou em saudade e Eunice seguiu a vida, ou se a saudade se transformou em dor profunda e abduziu Eunice para junto de seu imaginário em um quadro depressivo, ou pior, se Eunice foi morar com a mãe, na outra vida.

Ao perguntar ao autor sobre sua “cria”, Jax me respondeu: “Conto misterioso do início ao fim. Quem seria a visitante? A própria mãe? A consciência desconfiada da filha? O detetive travestido? Desconfianças do dia a dia, talvez. Nem eu me atrevo a desvendar o mistério. E por que dia 20, se eu sou do 7? A ideia foi mesmo essa: misturar elementos típicos de mistério e até algo sobrenatural”. As pistas literárias dadas por Jax geraram ainda mais mistérios.



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