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03/01/2023 às 08h00min - Atualizada em 03/01/2023 às 08h00min

O Big Bang do cinema de Carlos Segundo

ENZO BANZO
Foto: Divulgação
Gosto de celebrar o sucesso dos amigos. O sucesso dos amigos é como o nosso próprio sucesso, posto que somos uma unidade afetiva e social. Você fica um tempo sem notícia, e de repente, bum! Lá está o velho amigo, onde, no fundo, você já sabia que era o lugar dele. Foi o brother Danislau que me mandou mensagem, tempos atrás: cara, cê viu o Tchê? Meu instagram vai passando e só vejo ele sob os aplausos de Cannes. Uau! A gente gosta de imaginar, e começamos a aumentar a história: na nossa cabeça o Tchê já estava tomando champagne com o Almodóvar, Tarantino tentava entrar no assunto, chegava o Glauber Rocha, e bum!
 
Saindo da nossa brincadeira, o fato concreto era que o diretor Carlos Segundo, o nosso amigo Tchê, estava na seleção oficial de Cannes com o curta-metragem “Sideral” (2021). E o novo fato é que o pequeno grande filme está em uma pré-seleção de curtas brasileiros para o Oscar. Uh! Esses são pontos altos de uma trajetória na qual a impactante película em preto e branco, produzida no Rio Grande do Norte, percorreu e ganhou prêmios nos principais festivais de cinema do Brasil e do mundo.
 
Não para por aí. O sucesso de “Sideral” corria solto quando o amigo, produtor e cineasta Cristiano Barbosa me contou que Tchê estava vindo filmar um novo curta em Uberlândia, com duas grandes novidades: a trama seria protagonizada por Giovanni Venturini, um outro grande amigo; o comparsa diretor queria usar uma música nossa, do Porcas Borboletas. Bum e bum! 
 
“Big Bang” é o nome da obra. Logo de cara, o curta foi premiado no Festival de Cinema de Locarno (2022), na Suíça: Melhor Curta de Autor para o filme; Melhor Ator para Venturini. Big bang! Confesso que chorei vendo o vídeo de Giovanni recebendo o prêmio. Emoção dos amigos é nossa emoção. Giovanni é pessoa com nanismo, uma marca singular e especial de sua figura encantadora. Na carreira de ator, vira e mexe foge de propostas para personagens estereotipados, como ele mesmo contou no discurso da premiação.
 
Na trama, Chico, personagem de Giovanni, é um consertador de fogão: consegue adentrar o perigo doméstico dos fornos. O plano de câmera se dá todo na perspectiva de Chico; esse recurso, além de nos colocar no ponto de vista da personagem, permite-nos mergulhar em sua profundidade humana, mediados pela interpretação de Venturini. Rec, play: Chico dentro das chamas vermelhas do fogão; Chico mergulhado na geladeira-banheira; Chico fumando um cigarro ao lado do grande forno de madeira; Chico pedindo carona na estrada com o cerrado ao fundo; Chico entrando no porta-malas do carro, andando de mobilete, dançando na pista do Vinil, tomando uma cerveja. Big cinema. 
 
As personagens coadjuvantes só aparecem da cintura para baixo; exceto Marta, interpretada por Aryadne Amâncio, atriz daqui. Ela se agacha e conversa com Chico em um corredor de posto de saúde; a câmera parada abre o campo para a excelente atuação dos atores; o assunto trivial vai se tornando profundo, socialmente, humanamente: “eu estrago tudo que eu posso caber dentro”, resume Chico. Carlos Segundo costura tudo com a densa economia de um cineasta contista. Sabe que no curta-conto não cabem arestas, tudo diz, cada imagem, palavra, som, corte: tudo conta. É como na analogia do escritor argentino Julio Cortázar: o conto é um soco, nocaute, força narrativa concentrada. Bum! 
 
Caminhando para o final, toca a canção “Only life”, faixa do “Porcas Borboletas'' composta sobre poema de Paulo Leminski: “it’s only life but I like it”. Vida. Explosão. O sucesso dos amigos é o nosso sucesso. Lembrei de Tchê me contando que conheceu Giovanni em um show do Porcas em São Paulo. Venturini costumava subir no palco quando cantávamos a faixa “Infelizmente”; em sua performance, dizia e ressignificava os versos: “eu sei que eu vim ao mundo pra crescer como pessoa / mas isso ainda não aconteceu comigo”. Autoironia que agora inverte o plano: o mundo e a vida se tornam mais potentes e poderosos diante de Giovanni, de Carlos Segundo, de Aryadne e de toda uma teia de gente que não larga da arte indissociável da vida, mesmo nas maiores agruras. Explodiu. Big Bang!

*Este conteúdo é de responsabilidade do autor e não representa, necessariamente, a opinião do Diário de Uberlândia.
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