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28/12/2021 às 08h00min - Atualizada em 28/12/2021 às 08h00min

E Walt Disney, já ouviu falar?

Por Weber Abrahão Jr.

Aprendi a ler e a desenhar quase ao mesmo tempo, com os  quadrinhos da editora Abril. Me lembro de um desenho que fiz do Zorro “de capa e espada”, em uma tampa de caixa de sapatos, aos cinco anos. A produção com a marca Disney me foi apresentada oficialmente aos sete anos, quando do lançamento do Almanaque Disney. Na capa, um calhambeque lotado de patos, cachorros e ratos. Inspirado no Almanaque do Tio Patinhas, era uma seleção de histórias de diferentes personagens, adaptações de filmes, tirinhas e histórias médias e curtas. Lombada quadrada, coisa rara para o início dos anos 1970. 

Aos doze ou treze anos, conheci o avô de um colega de escola, que tinha edições do Almanaque do Tio Patinhas dos anos 1960. Generoso, me emprestou diversos números. Assim tomei conhecimento de histórias grandiosas, com tramas complexas e bem amarradas, tomando vinte páginas da revista. Splash pages vigorosas, concentradas nos efeitos de perspectiva e convidando à leitura. A primeira dessas histórias que li é hoje intitulada “A Coroa Perdida de Gêngis Khan”. Na memória mais viva, o personagem de um ermitão do Himalaia, grandalhão e lento, que tem em sua caverna, além da coroa do título, vasta coleção de joias e relógios.

Vieram muitas outras depois, nessa mesma pegada: O Holandês Voador, Ilha no Espaço, As Cidades de Ouro, e tantas outras. Eu ficava pensando como o tal do Walt Disney era um cara inteligente, excelente desenhista e criador de grandes plots, grandes desfechos, grandes histórias.

Cursando História, nos anos 1980, conheci o panfleto intitulado Para Ler o Pato Donald, de dois acadêmicos chilenos, Dorfman e Mattelart. Produzido no calor do governo da frente ampla do socialista Salvador Allende (governo derrubado por um golpe militar em 11 de setembro de 1973, com o apoio generoso e desinteressado dos Estados Unidos), em conjunto com outros livros, jornais e revistas, em um esforço editorial de cunho nacionalista. Ali, conheci o Walt Disney explorador da inventividade e do talento alheio. Fiquei sabendo que aquela assinatura, Walt Disney, em todas as HQs, era apenas a marca de uma grife, ou, se você forçar a comparação, a marca a ferro no lombo dos bois – as equipes de produção, demonstrando sua propriedade.

Para ler o Pato Donald, como o panfleto que é, carrega nas tintas, tratando a obra Disneyana de forma homogênea, plana, sem densidade. A tese do livro é clara: os quadrinhos Disney seriam agentes do imperialismo cultural norte-americano, da invasão cultural e da alienação da juventude.  A questão de fundo era analisar e estruturar um plano educacional que se firmasse no nacionalismo cultural como fundamento de um projeto político de combate ao imperialismo norte-americano. Os próprios autores, em entrevistas dos anos 2000, admitiram a urgência na produção do texto, no contexto do projeto político em gestação e suas limitações teóricas e conceituais.

Entre 2015 e 2017, fiz um mestrado em História, e pude retornar a Patópolis. Já conhecia então o verdadeiro autor daquelas histórias fantásticas, atemporais, cativantes, detalhistas e bem humoradas. Eram obra do “Homem dos Patos”, o genial Carl Barks. Esse legítimo caipira criador de galinhas poedeiras, tornou-se o maior dos desenhistas e roteiristas da turma de Patópolis em função de problemas respiratórios que o tiraram dos estúdios com ar condicionado onde fazia desenhos e interpolações para animações dos estúdios Disney.

*Este conteúdo é de responsabilidade do autor e não representa, necessariamente, a opinião do Diário de Uberlândia.

 

 
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