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08/12/2022 às 08h00min - Atualizada em 08/12/2022 às 08h00min

Honraria

IVONE ASSIS
Ao ler “O mercador de Veneza”, de William Shakespeare, no capítulo que aborda o cofre de prata (Cena IX, ato I) o leitor irá se deparar com a frase “‘Quem me escolher, ganha o que bem merece’". Muito bem-dito. Quem se aventuraria em busca de fortuna e de honrarias, se não fosse marcado pelo mérito?”. Esse episódio é uma reflexão que “custará” ao pretendente um quilo de carne do próprio corpo, episódio que divertirá o leitor, igualmente, com a releitura de Ariano Suassuna, em “O Auto da Compadecida”, em que João Grilo penhorará uma tira de couro das costas de Chicó – com o consentimento dele, pelas mesmas razões do personagem de Shakespeare – e o resultado é também similar. Isso, de certo, é um pleitear honrarias e, nesse caso, apesar das intenções de trapaças e do revide creditado à ambição do credor, a ação também encontra mérito, afinal a nobre causa se escora no amor.

Dentre os muitos atos dignos de honrarias também está a proteção a seres em vulnerabilidade, independentemente de idade, sexo, físico, sentimentos e outros dados relacionados a ambas as partes envolvidas. A piedade e a tendência à proteção são sempre motivo de honra, sejam alusivos a crianças, idosos, mulheres ou outros em condição de vulnerabilidade. Tem-se nesse ato um sentimento de empatia, que pode ser impactado, ou não, pela idade do indivíduo portador da necessidade. É natural sentir mais empatia quando se trata de crianças, animais domésticos e idosos, haja vista a incapacidade de autodefesa ser maior.

Nesse quesito último, atrelei minha leitura à personagem Joana, do conto “Flor de Sabugueiro” (Conto 5, da obra “Os alegres peregrinos”, de Enivalda Nunes Freitas e Souza (2022, p. 49-59), em que uma mãe determinada a alcançar tratamento para a filha caçula, fustiga o cavalo, enfrenta Lúcio, o irmão avarento, em um desfecho trágico, mas sob um pretexto digno de honraria por se tratar da luta pela sobrevivência de uma criança em absoluta condição de vulnerabilidade, fato este que está acima de mesquinharias e ambições avaras.

Por outro lado, mas ainda na leitura da honra e da prerrogativa, o poder público costuma outorgar títulos e honrarias a pessoas que se despontam em algum quesito humano-cultural-social... e isso é muito louvável, pois apresenta reconhecimento aos esforços muitas vezes invisíveis ao olhar desavisado da sociedade. É fato que honrarias públicas enobrecem tanto homenageados como homenageantes, mas essa prática do legislativo é, sem dúvida, um grande feito, no sentido de reforçar a influência dos envolvidos na localidade da honraria, cujo título e prestígio, além da visibilidade atribuída, serve como força moral no incentivo a novos acontecimentos e conquistas entrelaçadas à nobreza humana.

Como escreveu Maquiavel, não são os títulos que ilustram os homens, e sim, os homens quem ilustram os títulos. Desse modo, vemos aí uma contribuição de mão dupla. A exemplo dessa citação, retomo Enivalda Nunes Freitas e Souza, autora de “Os alegres peregrinos: contos rurais passadistas”, filha de Moiporá (GO), moradora de Uberlândia (MG), professora na Pós-Graduação de Universidade Federal, Eni Souza foi condecorada com a honraria que lhe intitula Cidadã Dioramense, por sua produção literária, que enobrece a cidade de Diorama (GO), sobretudo no conto “Caminho” da obra citada, dentre outros escritos, como seu livro “Terra, traçados e livros: nas vozes da memória” (2021). O evento aconteceu em solenidade realizada no Centro de Atendimento aos Turistas, e o título foi concedido pelo vereador Huender Alex de Lima, que faz parte da Mesa Diretora 2021-2024, com a presença das autoridades municipais, inclusive o Exmo. Prefeito Altamiro José de Lima.

Na obra de Aristóteles “Ética a Nicômaco”, Edson Bini, (4. ed., 2014, p. 49), em nota escreve que muitas s pessoas acreditam que a felicidade está nos prazeres, nas honrarias e nas riquezas, mas isso depende das circunstâncias “A maioria pensa que se trata de algo simples e óbvio [...] muitas vezes a mesma pessoa identifica o bem com coisas diferentes”, os bens relativos, como chamou Aristóteles, a ventura que Enivalda Souza teve foi sua literatura, a qual lhe propiciou tão grande honraria.


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