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03/12/2022 às 08h00min - Atualizada em 03/12/2022 às 08h00min

A Descoberta do Outro – II

EDMAR PAZ JUNIOR
Terminei o texto da semana anterior dizendo que o livro caminhava para o desfecho de uma descoberta transcendente, algo verdadeiro e real. Apesar dessa imaterialidade, é bem perceptível o que sua sensação desperta e provoca em nós; porém, mesmo sendo gigante dentro das pequenas coisas de nossas vidas, é invisível aos olhos cegos e ouvidos moucos. “Exigimos porém a boa vontade para que nossa conversa tenda para uma conversão, para que nossa pedagogia não se transforme num pingue-pongue de malícia. A condição indispensável para a transmissão duma palavra cristã é o desejo verdadeiro de ouvir”, diz Corção. 

Essa espiritualidade, esse sentimento de pertencimento a algo maior que nós, reflete a importância de sempre estar em contato com grandes obras e autores, que falam sobre as grandes verdades de nossas vidas. “Para mim, Chesterton foi profundo, objetivamente, porque é preciso assim ser para penetrar no mais íntimo de nós e tocar a pequena raiz esquecida onde mora a capacidade de reflorescimento.” 

A ideia de sua obra surgiu de um questionamento por parte de um amigo, ou melhor, de um pedido para que explicasse o que fez com que Corção se convertesse ao Catolicismo. Sua resposta é belíssima, pois de uma certa maneira, devolve a pergunta: por que não se converter? 

“Esta parece-me ser a posição correta do problema. Uma conversão não é um episódio; antes o fato de não se converterem todos é que constitui um imenso episódio. Acho extremamente bizarro um inquérito sobre a normalidade. As coisas verdadeiramente positivas, verdadeiramente normais, resistem à narração. Ninguém, por exemplo, irá perguntar com urbanidade ao cavalheiro que vê na rua a sacudir a poeira das calças, entre quatro embrulhos esparsos no chão, por que diacho, e em virtude de que misterioso propósito ele se levantara.”

O escritor faz uma analogia maravilhosa com o que julga serem as três máximas norteadoras da Igreja Católica: a Fé, a Esperança e a Caridade – que ainda coloca como “a maior de todas”. Apresenta essas virtudes como “três sensos” que temos, e dizendo serem “atrofiados mas persistentes”, os representam por uma espécie de visão, uma audição e um tato. “Mais claramente são os seguintes os vértices daquele triângulo: primeiro, o senso da objetividade; segundo o senso da eternidade ou senso lúdico; terceiro, o senso da pessoa humana no próximo, no outro, ou senso da altruidade”.

O senso da objetividade, que representa a Fé, é aquele pelo qual a inteligência tende para o objeto e tem consciência de sua responsabilidade primeira no juízo. O autor discorre acerca das opiniões, por exemplo, dizendo que estas em certa medida nos confundem, pois atrapalham nossa visão objetiva de determinados objetos. “E isso acontece porque a vontade interfere, mete-se entre o objeto e a inteligência, e procura se adequar à mobilidade que é uma categoria proporcionada à sua essência. A atividade impera sobre a contemplação, o apetite domina o juízo, a opinião substitui a verdade.”

O segundo, que nomeou como sendo o senso lúdico – pois compara esse sentimento àquilo que é relacionado com crianças, principalmente suas brincadeiras e pureza de ideias – ao qual vincula uma “sede de eternidade” com nossas experiências de esperanças infantis. Faz uma comparação entre um espírito de criança e um de adolescente: “temos duas idades, ora uma, ora outra; hoje criança, amanhã adolescente; hoje confiante, seguro da objetividade, amanhã perdido e enfiado nos recantos do eu.”

Muito por conta da sociedade em que vivemos e suas inconstâncias constantes, acabamos por nos tornarmos engessados no papel de adultos, endurecidos, perdendo assim a enaltecida, porém renegada, esperança das crianças. Mesmo diante de toda a complexidade dos nossos dias, desejamos intimamente retornar a esse estado, mas acabamos sucumbidos pelo “mundo”. “Nossa dignidade de seres vivos é insultada pela morte, e todos desejamos, de um modo extravagante, apesar da experiência secular do universo inteiro, das mil gerações que gemeram de dor, uma felicidade perene numa eterna infância.” 

Trata assim, sobre a Esperança que deixamos de lado numa busca equivocada – pois miramos o objeto errado – de um complemento para nossa alma. O que devemos buscar para nos completar, não é desse mundo, mas existe aqui; está em apenas um lugar, porém espalhado em todos os cantos.

O que o autor chama de senso de altruidade se traduz pela busca do outro. Como ele mesmo diz, a definição parece simplista demais, mas na verdade trata-se de uma das maiores dificuldades da humanidade. A caridade está “alastrada pelo mundo”, e até nos piores lugares ela pode surgir. Mesmo quando dois homens maus falam sobre suas atrocidades, “ainda uma grade e viva Caridade se interpunha, se sentava na taberna, estabelecendo entre os dois decaídos um elo de simpatia, uma paciência de ouvir e uma generosidade de falar”.

Quando diz que a considera como a maior de todas, remete não apenas a ideia de que se faz presente em todos os lugares, mas que de certa maneira é a mais difícil de se conseguir, exatamente porque trata-se de uma revelação do outro. “O próximo é deveras intolerável. Sua espessa concretude, seu rosto, seus músculos, seu bigode, nos impelem a derivar nossos bons sentimentos para as coisas mais puras e elevadas. Voltamo-nos para a espécie humana, para ideias e causas sagradas. É mais fácil dedicar horas de interesse por longínquos oprimidos na Polônia, pelas crianças desnutridas na Grécia. É mais fácil querer bem à humanidade em peso do que ao vizinho que ouve o radioteatro. É mais amplo, mais generoso, falar num microfone virado para o porvir, atirando palavras para um bilhão de ouvidos que ainda não nasceram, do que entrar num quarto cheirando a remédio e suor.”

Nos escondemos, de certo modo, de cumprir esse “dever”. É para isso que o escritor chama nossa atenção em sua obra, e quão Bela é essa missão de se tornar Cristão. E se o mundo é dicotômico, ele usa desse raciocínio para nos dizer mais uma vez: por que não ser, Católico?

“Ou Deus é ou não é. E se não é, acabou-se; que não seja. E então sejamos abandonados de vez, enjeitados absolutos, atirados nas areias de um deserto, habitantes casuais de um gracejo cósmico. Deixemos epifenômenos e dialéticas; causas e ideias; ciências e artes.

Ou o Cristo ressuscitou ou não; e se não ressuscitou nós somos as mais desgraçadas criaturas porque perdemos a última aposta. Tenhamos ao menos a sombra de uma dignidade. (...) Nada adianta. Nem ser bom, nem ter caráter, nem ter vergonha, nem ter sentimentos, nem passar telegramas de pêsames ou visitar o viúvo com ar compungido, batendo-lhe pancadinhas no ombro.

Se não passamos de sombras, sejamos sombras. Amigo, larga teu eu, tuas convicções, tua ética, teus sistemas, porque se não tens Cristo não tens nada.” 

A Descoberta do Outro – Parte II.



*Este conteúdo é de responsabilidade do autor e não representa, necessariamente, a opinião do Diário de Uberlândia.
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